
Carapicuíba, localizada na região metropolitana de São Paulo, tornou-se um verdadeiro "paraíso" das chamadas emendas Pix. Desde 2020, o município já recebeu R$ 157 milhões por meio dessa modalidade de transferência direta de recursos federais, sendo 58% desse montante oriundo de deputados federais da bancada evangélica. A cidade, no entanto, enfrenta severas críticas pela falta de transparência na prestação de contas, com alertas inclusive do Tribunal de Contas do Estado (TCE).
As emendas Pix são transferências que caem diretamente na conta da prefeitura, sem necessidade de convênio ou análise prévia. Apesar de acelerarem o envio de recursos, essas emendas dificultam o rastreamento e a fiscalização dos gastos públicos. Carapicuíba tornou-se o principal destino desse tipo de verba, superando cidades maiores e mais populosas.
Entre os dez parlamentares que mais enviaram emendas Pix a Carapicuíba desde 2020, apenas três não são evangélicos. Abaixo, a lista dos principais repassadores:
Marco Feliciano (PL): R$ 33.933.674,00
Alexandre Frota (PSDB): R$ 27.162.883,00
Vinicius Carvalho (Republicanos): R$ 17.900.000,00
Milton Vieira (Republicanos): R$ 16.468.311,00
Eli Corrêa Filho (União Brasil): R$ 12.219.360,00
Gilberto Nascimento (PSC): R$ 7.443.813,00
Jefferson Campos (PL): R$ 6.869.682,00
Abou Anni (União Brasil): R$ 5.960.000,00
Bruno Ganem (Podemos): R$ 4.955.054,00
Roberto de Lucena (Republicanos): R$ 4.887.627,00
A maioria dos repasses ocorreu durante a gestão do ex-prefeito Marcos Neves (PSDB). O atual prefeito, José Roberto (PSD), é seu aliado político.
A ausência de detalhamento sobre os gastos das emendas motivou críticas recorrentes. Em 2022, o TCE de São Paulo emitiu uma recomendação formal à prefeitura cobrando informações. Em 2023, em apuração envolvendo 100 municípios, foram identificadas falhas na comunicação e respostas sobre o uso das verbas.
Apesar da prefeitura alegar transparência, dizendo que publica informações no site oficial e no sistema Transferegov, muitas emendas constam apenas com descrições genéricas. O Ministério das Cidades, por exemplo, cobrou da gestão local informações detalhadas sobre intervenções realizadas com R$ 1,5 milhão repassado por Jefferson Campos (PL-SP), sem saber sequer se as obras foram feitas em área urbana ou rural.
Outro caso envolve R$ 6 milhões repassados por Marco Feliciano para infraestrutura, cestas básicas e acolhimento infantil. Segundo o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, os dados enviados “estão incompletos e não permitem a conclusão da análise”.
A falta de retorno sobre o uso das verbas já gerou desconforto entre os próprios parlamentares. A deputada Ely Santos (Republicanos) repassou R$ 200 mil para um castramóvel, a pedido do vereador Sheriff Paulo Costa (Mobiliza). Porém, no sistema do governo federal, a destinação aparece como “manutenção de infraestrutura”, e a prefeitura não deu respostas concretas.
O ex-deputado e atual secretário estadual de Turismo, Roberto de Lucena, também apontou inconsistências. Dos R$ 4,8 milhões enviados, metade foi utilizada para recapeamento de “vias diversas”, e o restante, segundo ele, deveria ter sido aplicado na saúde.
Mesmo com o alto volume de recursos, Carapicuíba sofre com obras abandonadas e falhas de execução. Um dos símbolos desse cenário é a construção de uma creche na Vila Veloso, iniciada em 2016 e paralisada há cerca de três anos. O prédio inacabado está pichado e deteriorado, figurando em relatório do TCE como obra parada.
Moradores do Parque Jandaia também relataram que ruas recém-recapeadas já apresentam buracos. O aposentado Jaime Dias de Oliveira, de 64 anos, afirmou que a pavimentação recente está afundando com a passagem de ônibus e chuvas.
Em nota oficial, a Prefeitura de Carapicuíba afirmou atuar com total transparência, citando a inauguração do Pronto Atendimento Bruno Covas como principal obra realizada com recursos das emendas. Destacou ainda investimentos em centros culturais, unidades de saúde, iluminação pública, parques e mobilidade urbana.
A gestão municipal defende que as transferências especiais simplificam a burocracia e permitem entregas rápidas à população, sem comprometer recursos próprios da cidade.