
Uma possível anistia, graça ou indulto a Jair Bolsonaro (PL), em caso de condenação, poderia esbarrar em entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) e ser, em última instância, derrubada pela Corte.
Na última quarta-feira (26), Bolsonaro se tornou réu sob suspeita de liderar tentativa de golpe em 2022. A Primeira Turma do STF aceitou, por unanimidade, a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Com uma possível condenação criminal à vista, o ex-presidente poderia contar com um projeto de anistia ou um decreto de graça ou indulto, caso um sucessor da direita assuma o Palácio do Planalto em 2027. No entanto, esse cenário encontraria resistência no STF.
Advogados e professores consultados pela reportagem afirmam que não há um impedimento jurídico específico para a concessão dessas medidas, caso ocorra uma condenação. No entanto, alguns ressaltam que existem limites e que o STF tem consolidado precedentes sobre o tema.
A anistia, a graça e o indulto são formas de extinção de penas, mas com características distintas. A anistia, concedida pelo Congresso, também apaga as consequências da condenação. Já a graça e o indulto, concedidos pelo presidente da República, não eliminam os demais efeitos da sentença, como a perda do status de réu primário.
Entretanto, esses instrumentos não são absolutos. A legislação estabelece que crimes hediondos, a prática de tortura, tráfico de entorpecentes e terrorismo não podem ser perdoados por meio de anistia, graça ou indulto.
Bolsonaro é acusado de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Somadas, as penas máximas podem ultrapassar os 40 anos de prisão.
O professor de Direito Processual Penal da Universidade de São Paulo (USP), Gustavo Badaró, afirma que, do ponto de vista jurídico, em tese, seria viável que o Congresso concedesse uma anistia ou que o presidente da República editasse um decreto de graça ou indulto, mesmo para os crimes contra o Estado democrático de Direito. "Não há nenhuma vedação", afirmou. "Em tese, os crimes contra o Estado democrático de Direito não estão entre os crimes para os quais é vedado ao Parlamento conceder anistia ou ao presidente da República conceder graça ou indulto."
Por outro lado, a advogada Raquel Scalcon, professora de Direito Penal da FGV Direito SP, destaca que a condenação por crimes contra as instituições democráticas seria um ponto central na análise da validade do benefício. "O tipo de crime, a gravidade, o fato de ser contra o Estado democrático certamente seriam usados [nesse caso]", afirmou.
Scalcon observa que o STF tem se aprofundado sobre o tema nos últimos anos. Um exemplo recente foi a graça concedida por Bolsonaro em 2022 ao ex-deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado por manifestações contra o Estado democrático de Direito. Na ocasião, a validade do ato foi discutida no tribunal, que, por maioria, concluiu que houve um desvio de finalidade, considerando o fato de Silveira ser aliado político do então presidente.
O ministro Alexandre de Moraes, em seu voto, afirmou: "Seria possível o Supremo Tribunal Federal aceitar indulto coletivo para todos aqueles que eventualmente vierem a ser condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro, atentados contra a própria democracia, contra a própria Constituição? Obviamente que não, isso está implícito na Constituição Federal."
Após a graça, Silveira teve que cumprir a pena de oito anos e nove meses de prisão.
Georges Abboud, professor da PUC-SP e do IDP, ressaltou que existem limites para a concessão de anistia, graça ou indulto. Ele lembrou que, em 2017, o STF considerou constitucional o indulto de Michel Temer (MDB), que perdoou, entre outros, condenados por corrupção e lavagem de dinheiro. "Se o Supremo entender que a gravidade daquela conduta e do crime para aquele tema não justifica, ou seja, se encaixa em um constitucionalismo abusivo ou desvio de finalidade, pode fazer o controle desse indulto, dessa graça ou dessa anistia", disse.
No entanto, Abboud alertou que, como nunca houve um benefício de extinção de pena específico para crimes como os pelos quais Bolsonaro é processado, a decisão dependeria de como o ato seria redigido e da interpretação do STF sobre ele.