
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e os comandantes das Forças Armadas decidiram manter a estratégia adotada em 2023 de não comentar o aniversário do golpe militar de 1964, que completa 61 anos nesta segunda-feira (31). A medida, acordada entre os militares e o Executivo, visa evitar comemorações ou repúdios oficiais relacionados à data.
Este pacto de silêncio é parte do esforço do ministro da Defesa, José Mucio Monteiro, para equilibrar as demandas do governo petista e os interesses das Forças Armadas. A discrição em torno da data se torna ainda mais significativa diante da movimentação do Supremo Tribunal Federal (STF) de revisitar a abrangência da anistia concedida aos envolvidos na ditadura militar (1964-1985).
O tema voltou ao centro das discussões após o sucesso do filme "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles, que ganhou o prêmio de melhor filme internacional no Oscar. Eventuais celebrações do golpe, conforme revelaram dois generais ouvidos pela reportagem, devem ocorrer apenas em círculos militares da reserva.
O Clube Militar, no Rio de Janeiro, programou um almoço em celebração ao que considera o “movimento democrático de 31 de março de 1964”. O evento, que cobrará R$ 100 por pessoa, contará com o discurso do desembargador aposentado do Distrito Federal Sebastião Coelho, atualmente advogado de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Por outro lado, petistas históricos como José Dirceu e José Genoino devem participar de um evento em São Paulo, na segunda-feira, para discutir os impactos da ditadura militar na sociedade brasileira. A ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo (PT), estará fora de Brasília, em Belo Horizonte, para prestar uma homenagem aos defensores dos direitos humanos promovida pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais. No dia 24 de março, a ministra fez um pedido público de desculpas às famílias de mortos e desaparecidos durante o regime militar.
Um integrante do Ministério da Defesa, que pediu anonimato, afirmou que o ministro José Mucio nem precisou reunir os comandantes das Forças Armadas para pedir que o aniversário do golpe não fosse comemorado. Segundo ele, a harmonia entre o ministro da Defesa e os chefes das Forças Armadas tornou desnecessária qualquer ordem formal a esse respeito.
No governo Lula, a avaliação é de que o dia 31 de março, tradicionalmente lembrado como o aniversário do golpe de 1964, deixou de ser uma data para eventos em defesa da democracia. Agora, os petistas preferem destacar o dia 8 de janeiro, em referência aos ataques às sedes dos Poderes ocorridos em 2023. No entanto, as cerimônias alusivas ao episódio de janeiro também têm gerado tensões nas relações entre o governo e os militares, especialmente pela participação de oficiais-generais em articulações golpistas ligadas ao ex-presidente Bolsonaro.
Aliados de Lula têm disseminado um vídeo em que o ministro da Defesa, José Mucio, afirmou em entrevista à CNN Brasil, em setembro de 2023, que o Brasil precisa reconhecer que não houve um golpe de Estado em 1964, dado o papel das Forças Armadas na ocasião. "Em todos os golpes que você vê na história, as Forças Armadas vão à frente e o povo apoia atrás. O que aconteceu em 8 de janeiro foi uma absoluta baderna patrocinada por alguns irresponsáveis. Não havia uma liderança, não havia uma palavra de ordem [...] A postura das Forças Armadas foi uma postura absolutamente responsável", declarou Mucio na entrevista.
A gravação tem circulado nos grupos de aliados de Lula, que frequentemente discordam das decisões do ministro. O desconforto entre petistas e o ministro da Defesa é ignorado pelo presidente, que mantém sua postura conciliatória com os militares.
Durante os quatro anos de governo Bolsonaro, o Ministério da Defesa publicou ordens do dia para celebrar o golpe de 1964, a pedido do ex-presidente. Em 2019, o porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros, afirmou: "Nosso presidente já determinou ao Ministério da Defesa que faça as comemorações devidas com relação ao 31 de março de 1964, incluindo a ordem do dia, patrocinada pelo Ministério da Defesa, que já foi aprovada pelo nosso presidente."
Os ministros Fernando Azevedo e Walter Braga Netto também divulgaram comunicados sobre a data, que foram lidos nos quartéis e em eventos militares. Azevedo declarou que "o movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira. Muito mais pelo que evitou", enquanto Braga Netto afirmou que a ditadura militar deveria ser "celebrada". "O movimento de 1964 é parte da trajetória histórica do Brasil. Assim devem ser compreendidos e celebrados os acontecimentos daquele 31 de março", disse.