
O governo brasileiro decidiu substituir o principal negociador do Brics, embaixador Eduardo Saboia, em meio à realização da cúpula do bloco no Brasil. A decisão foi tomada após uma pressão direta da ex-presidente Dilma Rousseff. Saboia, que havia exercido o cargo de sherpa (negociador principal) nas duas últimas edições da cúpula, deixará a função de secretário de Ásia e Pacífico do Itamaraty e sua posição no Brics. O embaixador deverá assumir a função de embaixador do Brasil na Áustria, caso sua nomeação seja confirmada pelo Senado.
Dilma Rousseff, atualmente presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), instituição financeira vinculada ao Brics, participa das reuniões do bloco. Em 2023, ao ver Saboia na cúpula do Brics realizada na África do Sul, Dilma fez uma queixa ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, protestando contra a presença do diplomata. Ela declarou que não poderia ficar no mesmo ambiente que ele.
O relacionamento entre Dilma e Saboia se deteriorou após o episódio de 2013, quando Saboia, então encarregado de negócios da Embaixada do Brasil em La Paz, facilitou a saída clandestina do senador boliviano Roger Pinto da embaixada. Pinto, opositor do governo boliviano de Evo Morales, acusava o presidente de perseguição política e estava refugiado na embaixada brasileira há mais de um ano. Na época, o governo de Dilma resistiu em conceder asilo político ao senador, pois temia desentendimentos com o governo boliviano, considerado um aliado importante. Após o episódio, Dilma demitiu o então ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, e Saboia foi afastado do cargo, permanecendo afastado até o governo de Michel Temer, quando foi reabilitado e se tornou chefe de gabinete do chanceler Aloysio Nunes.
Em 2023, quando Dilma novamente reclamou de Saboia ao presidente Lula, o Itamaraty inicialmente não tomou nenhuma medida. Contudo, ao final de 2024, quando Lula costurou um acordo para a recondução de Dilma à presidência do NDB, a substituição de Saboia foi finalmente definida.
O mandato de Dilma à frente do banco expira em julho de 2025, mas sua recondução ao cargo, apesar de ser vista como uma violação das regras do NDB, foi possível devido à decisão do governo russo de ceder a vez que caberia à Rússia, que se encontra sob pesadas sanções internacionais devido à Guerra da Ucrânia. A China, que mantém uma relação próxima com Dilma, foi a principal defensora de sua permanência à frente do banco. Em setembro do ano passado, a China concedeu a Dilma a Medalha da Amizade, sua mais alta honraria para estrangeiros.
O embaixador Mauricio Lyrio, atual secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros, foi nomeado para substituir Saboia como sherpa do Brics. Lyrio já havia exercido a função no G20, no ano passado.
Em nota, Saboia comentou a mudança: "Como secretário de Ásia e Pacífico e sherpa do Brics, sempre contei com o apoio e orientações do ministro Mauro Vieira. Com a ampliação do Brics, faz todo sentido devolver essa função à Secretaria de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty, hoje sob a competente chefia do embaixador Mauricio Lyrio."
O Brics, originalmente formado por Brasil, Rússia, Índia e China, incorporou a África do Sul em 2011. Em 2023, seis novos membros foram convidados a integrar o bloco: Argentina, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã e Etiópia. A Argentina, sob o governo de Javier Milei, recusou o convite, e a Arábia Saudita, embora participe das atividades, ainda não respondeu oficialmente.