Um ano após os ataques do 8 de Janeiro, o ministro Alexandre de Moraes, relator das investigações sobre a investida golpista ao Supremo Tribunal Federal (STF) detalha, em entrevista ao jornal O Globo, os desdobramentos das apurações sobre o episódio. O magistrado, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), conta que a investigação desvendou três planos contra ele, que envolviam até homicídio.
Onde o senhor estava no dia 8 de janeiro?
- Após a posse do presidente Lula, viajei com a minha família para a Europa e estava em Paris dia 8 de janeiro. Meu filho me mostrou imagens de pessoas invadindo o Congresso. Liguei imediatamente para o ministro Flávio Dino (Justiça). Perguntei a ele como tinham entrado, porque havia ocorrido uma reunião de órgãos de segurança em que tinha ficado proibida a entrada de manifestantes na Esplanada dos Ministérios. Num determinado momento, o presidente também falou comigo. Ele e o Dino conversaram sobre a possibilidade de intervenção federal ou GLO (Garantia da Lei e da Ordem). Quem decidiu foi o Poder Executivo, mas eu relembrei que no tempo do presidente (Michel) Temer, houve a possibilidade de intervenção só na área da segurança, e talvez isso fosse melhor. Afirmo sem medo de errar: não precisaria de cem homens do Batalhão de Choque para dispersar aquilo.
Havia os acampamentos nos quartéis e outros episódios de violência, como a tentativa de atentado a bomba nos arredores do aeroporto de Brasília. Era possível prever o que houve?
- Foi um erro muito grande das autoridades deixar, durante o ano passado, aquelas pessoas permanecerem na frente dos quartéis. Isso é crime e agora não há mais dúvida disso. O Supremo Tribunal Federal recebeu mais de 1.200 denúncias contra quem estava acampado pedindo golpe militar, tortura e perseguição de adversários políticos. No dia do segundo turno, também tivemos um problema grave com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), objeto de inquérito, que inclusive gerou a prisão do ex-diretor (Silvinei Vasques). Houve a greve dos caminhões tentando parar o país. A violência estava numa crescente. No dia da diplomação, 12 de dezembro de 2022, houve prisões após a (tentativa de) invasão da Polícia Federal. Como na posse não houve nada, infelizmente as pessoas da área de segurança talvez tenham ficado mais otimistas. O grande erro doloso foi permitir a entrada (dos golpistas) na Esplanada dos Ministérios. O 8 de Janeiro foi o ápice do movimento: a tentativa final de se reverter o resultado legítimo das urnas.
O que a investigação já delineou sobre o plano golpista?
- Nas investigações e nos interrogatórios de vários desses golpistas, temos que os discursos nos quartéis onde estavam acampados diziam que deveriam vir para Brasília. De vários financiadores, (a ordem era que) deveriam vir, invadir o Congresso e ficar até que houvesse uma GLO para que o Exército fosse retirá-los. E, então, eles tentariam convencer o Exército a aderir ao golpe. O que mostra o acerto em não se decretar a GLO, porque isso poderia gerar uma confusão maior, e sim a intervenção federal. Não que o Exército fosse aderir, pois em nenhum momento a instituição flertou (com a ideia). Em que pese alguns dos seus integrantes terem atuado, e todos eles estão sendo investigados.
Os executores já foram condenados, os financiadores estão sendo denunciados e há outras linhas da apuração da participação de militares e dos autores intelectuais. Até onde a investigação vai chegar?
- Não há limite. Todos aqueles que tiverem a responsabilidade comprovada, após o devido processo legal, serão responsabilizados.
É possível chegar aos autores intelectuais?
- Já se chegou a alguns financiadores, divulgadores e instigadores. Obviamente, é possível chegar aos organizadores, inclusive intelectuais. Em menos de um ano, já temos mais de 30 condenados pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. Não poderíamos deixar que aqueles que tentaram romper com a democracia no Brasil continuassem achando que uma eventual impunidade pudesse encorajá-los a atentar novamente.
O ex-presidente Jair Bolsonaro fez uma série de ataques às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral. Qual é a responsabilidade dele?
-Todas as pessoas sobre as quais a Polícia Federal encontrar indícios serão investigadas, desde os executores até eventuais políticos. Mas isso a investigação é que vai demonstrar.
O senhor foi alvo desse discurso de ódio e se deparou na investigação com planos para prendê-lo.
-Eram três planos. O primeiro previa que as Forças Especiais (do Exército) me prenderiam em um domingo e me levariam para Goiânia. No segundo, se livrariam do corpo no meio do caminho para Goiânia. Aí, não seria propriamente uma prisão, mas um homicídio. E o terceiro, de uns mais exaltados, defendia que, após o golpe, eu deveria ser preso e enforcado na Praça dos Três Poderes. Para sentir o nível de agressividade e ódio dessas pessoas, que não sabem diferenciar a pessoa física da instituição. Houve uma tentativa de planejamento. Inclusive, e há outro inquérito que investiga isso, com participação da Abin, que monitorava os meus passos para quando houvesse necessidade de realizar essa prisão. Tirando um exagero ou outro, era algo que eu já esperava. Não poderia esperar de golpistas criminosos que não tivessem pretendendo algo nesse sentido. Mantive a tranquilidade. Tenho muito processo para perder tempo com isso. E nada disso ocorreu, então está tudo bem.
Há críticas em relação às prisões feitas no dia 8 de janeiro. São justas?
-Nunca vi alguém preso achar que a sua prisão é justa. Analiso as críticas construtivas, mas ignoro as destrutivas. Nenhum desses golpistas defende que alguém que furtou um notebook não possa ser preso. E eles, que atentaram contra a democracia, não podem? Os presos são de classe média, principalmente do interior, e acham que a prisão é só para os pobres. A Justiça tem que ser igual para todos.
Os críticos também dizem que as penas aos primeiros condenados foram altas.
- Quem faz a pena não é o Supremo Tribunal Federal, é o legislador. O Congresso aprovou uma legislação substituindo a Lei de Segurança Nacional exatamente para impedir qualquer tentativa de golpe. Se as penas máximas fossem aplicadas em todos os cinco crimes, pegariam mais de 50 anos, mas pegaram 17 (no máximo). Se não quisessem ser condenados, não praticassem nenhum crime.
Qual é a lição que fica do 8 de Janeiro?
- A primeira é impedir a continuidade dessa terra sem lei das redes sociais. Sem elas, dificilmente (os atos golpistas) teriam ocorrido de forma tão massiva. Na parte criminal eleitoral, todos os políticos, quando houver comprovação de participação, devem ser alijados da vida política, além da responsabilidade penal. Quem não acredita na democracia não deve participar da vida política do país.