42º Conubes discute o Projeto Escola Sem Partido, que foi aprovado recentemente em Jataí e já foi proposto para Goiânia
Na última quinta-feira, 30, o Congresso Nacional da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Conubes) sediou um debate sobre o Programa Escola Sem Partido. O evento acontece na Praça Universitária e se encerra hoje. Entre os debatedores estavam a vereadora Tatiana Lemos (PCdoB) e o professor da rede estadual de Alagoas Rafael Pires.
Proposto em 2015 pelo deputado federal Izalci Lucas (PSDB/ DF), o Projeto de Lei 867 postula uma série de princípios para a educação brasileira, entre eles a neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado, o pluralismo de ideias, a liberdade de aprender e a liberdade de crença. O PL 867 também procura vedar o que eles chamam de “doutrinação política nas escolas”.
Para Tatiana Lemos, o nome do projeto não reflete a real proposta. “Eles colocaram um nome muito sagaz, porque o movimento Escola Sem Partido deveria surgir se existisse um movimento escola com partido, mas ele não existe. Infelizmente tem uma parcela da sociedade que não entende, e esse nome vende muito fácil porque todo mundo quer uma escola sem partido”, afirma.
Ainda segundo a vereadora, na prática, o projeto irá limitar e impedir que o professor lecione determinados assuntos. “Esse projeto de lei vê o professor como mero orientador, cabendo somente à família e à religião educar os jovens, sendo que a educação é um processo constante”, completou. Na prática, o professor estaria proibido de opinar sobre temas como política, religião, gênero e sexualidade, sendo obrigado a lecionar de acordo com as convicções dos pais.
No início desta semana, a Câmara dos Vereadores de Jataí aprovou o PL Escola Sem Partido, que foi sancionado pelo prefeito Vinícius Luz (PSDB). O caso gerou polêmica e, no dia seguinte, o Ministério Público Federal (MPF) instaurou inquérito para apurar violação de direitos e inconstitucionalidades no processo. De acordo com o MPF, somente a União pode editar leis que abordem diretrizes e bases da educação.
Em Goiânia, o Programa foi apresentado em agosto na Câmara pelo vereador Oséias Varão (PSB). Segundo ele, a apresentação do PL fazia parte de uma iniciativa nacional do Movimento Brasil Livre (MBL), que havia declarado a “Marcha pela Escola Sem Partido”. O projeto, que tem como relatora a vereadora Tatiana Lemos, foi para votação na Comissão de Constituição e Justiça e foi arquivado.
Esse projeto de lei vê o professor como mero orientador, cabendo somente à família e à religião educar os jovens. A educação é um processo constante” Vereadora Tatiana Lemos (PCdoB)
O Programa Escola Sem Partido
Lucas Xavier
Professor da rede estadual de Alagoas, Rafael Pires esteve presente no 42º Conubes. No ano passado, um projeto de lei inspirado no Escola Sem Partido, chamado “Escola Livre”, foi aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas (Aleg). No início deste ano, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Roberto Barroso, considerou a lei inconstitucional e decretou sua suspensão.
Há dois meses, segundo Pires, um professor da rede estadual de Alagoas foi intimado a dar explicações na Aleg, após ter promovido um seminário sobre questões de gênero. “Essa é uma pauta que persegue os educadores, mesmo tento essa derrota [suspensão pelo STF]”, pontua. A intimação foi um pedido do deputado Bruno Toledo (Pros/AL) referente à Escola Estadual Lucilo José Ribeiro, em São José da Tapera, no Sertão de Alagoas.
Em entrevista ao Diário da Manhã, Rafael Pires comentou o Programa Escola Sem Partido, seus problemas e as possíveis resoluções.
Entrevista com o professor Rafael Pires
Diário da Manhã: Quais são os principais problemas que você enxerga nesse Projeto de Lei?
Rafael Pires: O Projeto Escola Sem Partido tem dois problemas essenciais. O primeiro diz respeito à formação cidadã do jovem, que fica comprometida com a negação da discussão de pautas e diversos elementos importantes, como o combate ao machismo, ao racismo, a homofobia dentro do ambiente escolar e os seus reflexos na sociedade. Em segundo lugar, o discurso de contrariedade à crença e definições religiosas de uma família ameaça conteúdos importantes, como o evolucionismo, por exemplo. Isso pode atingir um caráter de impedimento do professor de lecionar estudos de desenvolvimento que a própria humanidade teve ao longo dos séculos.
Por outro lado, o discurso de combate à ideologia de gênero abre espaço para uma situação de obscurantismo dentro do acesso ao conhecimento. Já tivemos casos na escola em que dou aula de um professor ser acusado de fazer pacto com o diabo enquanto dava aula sobre evolucionismo. Quem retrucou ele foi um estudante, que disse que o pastor ensinou que tudo foi criado por Deus. O Escola Sem Partido nos levaria para um desenvolvimento do conhecimento tutelado pela igreja ou por crenças morais da família, que considera aquilo pertinente ou não para ser tratado.
DM: Se o Escola Sem Partido não é o caminho, qual a possível saída para os problemas da educação brasileira?
Rafael: Nós precisamos de um espaço de debate sobre o desenvolvimento curricular. A grade curricular das disciplinas, hoje, não consegue dialogar entre si. Falta inserção da equipe da escola nas comunidades, de forma que esse debate transversal sobre os aspectos que a escola brasileira está inserida, seja plural. A escola não pode se negar a refletir, por exemplo, a realidade de uma comunidade de risco dominada por uma facção criminosa ou mesmo pelo tráfico. Um caso de machismo que seja motivado em uma comunidade, os feminicídios, isso não pode ser ignorado. A presença de uma fábrica na região daquela cidade, por exemplo, que coloca para aquela escola outra perspectiva, inclusive no ponto de vista profissional de onde aqueles jovens vão se inserir.
A escola não é um elemento desconectado da nossa sociedade. Não podemos considerar que uma escola localizada na zona nobre do Rio de Janeiro ou de São Paulo vai ter o mesmo currículo e o mesmo processo de aprendizagem que uma escola no interior de Goiás, ou em uma cidade como Fortaleza, ou mesmo em Maceió. É preciso que a escola seja construída levando em conta todos esses elementos para que nessa interdisciplinaridade a gente possa apresentar os conteúdos.
Sete mil marcham contra programa
Raphael Bezerra
Cerca de sete mil jovens, estudantes universitários e secundaristas, participaram, na manhã de ontem, de um protesto emdefesadaeducaçãoecontráriosaomovimento “Escola sem Partido”.
Os estudantes vieram de diversas capitais do País para o 42º Congresso da União Brasileira dos Estudantes (Ubes) e estão reunidos na Praça Universitária para debates e as eleições presidenciais da Ubes.
A passeata em defesa dos direitos e liberdade dos professores e estudantes nas salas de aulas. A Ubes e os estudantes chamaram projetos como o “Movimento Escola sem Partido” de “lei da mordaça”, segundo eles, o projeto visa censurar as diversidades políticas e opiniões dentro das salas de aula.
Douglas Marques, 18, veio de Chapecó, Santa Catarina, e explica que o congresso tem por objetivo discutir a educação de forma democrática com a sociedade sem deixar os alunos e professores de fora. “O movimento escola sem partido censura os professores, dizendo o que eles têm que fazer em sala de aula. O professor passa a não ter mais autonomia. O projeto ainda trata os estudantes como sem potencial e sem conhecimento, como se os alunos não fossem capazes de debater”, comenta o jovem que é presidente do grêmio estudantil da Escola Marechal Bormann.
Além do debate contra o Escola sem Partido, o movimento também luta pelo debate das pautas do movimento negro e LGBTT. Luana de Souza, 22, estuda Fonoaudiologia na PUC de Minas Gerais, ela é uma das lideranças do movimento negro dentro da sua universidade. “A importância da pauta racial vem do fato de que os negros são os que mais morrem. No Brasil não é tão discutido porque o racismo está estruturado na nossa cultura”, diz ela.
A luta continua
Passeata, protestos, ato político e plenária final marcam penúltimo dia do evento. O palco dessa vez foi o Goiânia Arena, onde estudantes de todo o País se reuniram para debater sobre o decadente estado da política no Brasil
Pedro L. Macêdo
Desde a última quarta-feira, dia 29 de novembro, Goiânia é palco de um dos maiores movimentos estudantis do Brasil, o Congresso Nacional da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Conubes). Em sua 42ª edição, milhares de estudantes de todos os quatro cantos do País se reuniram para debater a atual situação política nacional, bem como reivindicar os direitos fundamentais de uma educação básica de qualidade.
“O evento é de suma importância para os estudantes de todo o Brasil, porque estimula a politização das instituições que é tão necessária dada a atual situação em que o país se encontra. A Ubes deve estimular cada vez mais a presença dos estudantes em eventos como esse para reforçar nosso discurso e dar cada vez mais legitimidade para nossas requisições”, aponta o estudante secundarista Caio Flávio, de 18 anos, vindo de Betim, da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
A plenária final de ontem contou com a presença das ex-presidentes da Ubes Carla Santos, Manuela Braga e Bárbara Melo. O nome de destaque que também garantiu presença no evento foi a deputada estadual pelo Rio Grande do Sul Manuela D’ávila, que é o principal nome do PCdoB na atualidade, além de ser a representante do partido que irá concorrer à presidência da República em 2018.
Antes de adentrarem, os estudantes se reuniram na porta do ginásio para estimular os participantes e reforçar o discurso de protesto contra o atual governo do presidente Michel Temer (PMDB). “Nosso país não pertence aos governantes, não pertence ao Congresso Nacional, ao Judiciário ou ao Poder Executivo, mas sim ao povo brasileiro. E nós, como estudantes, devemos garantir que aqueles que deveriam estar nos representando e garantindo nossos direitos básicos, principalmente a uma educação de qualidade, realmente cumpram o seu dever como políticos. A sujeira de Brasília não deve nos desmotivar, pelo contrário, ela deve servir de estímulo para que nós protestemos e para que a nossa luta, que cresce dia após dia, seja justificada e legítima”, disse um dos líderes do movimento. Diante de vários outros estudantes, que balançavam bandeiras e anseiam pela melhoria da governança nacional, sua fala foi muito bem recebida e ovacionada quando finalizada.
Os estudantes Mariana e Harlei vieram de Cariacica, cidade da Região Metropolitana de Vitória, no Espírito Santo, representando a União dos Estudantes de Cariacica (UEC). De acordo com eles, depois de 25 horas de viagem, eles se uniram aos estudantes em protesto para mostrar que várias instituições de ensino sofrem com a negligência da administração estatal como um todo. “A verdade é que os políticos governam apenas para eles mesmos, e só procuram melhorias para a burguesia, enquanto os estudantes e os trabalhadores brasileiros sofrem com a falta dos direitos básicos que são garantidos pela Constituição Federal”, afirma Mariana.
“O governo fez uma reforma no ensino médio sem consultar os estudantes, professores e as entidades que nos representam, sem qualquer diálogo. E acredito que ninguém pode compreender melhor a situação vivida pela educação do que nós, que vive tal realidade. A educação no Brasil sempre foi tratada com indiferença, e tanto os governos estaduais quanto o federal quer impor sua própria vontade sem nem mesmo conhecer as dificuldades enfrentadas por nós. Então somente com o diálogo é que uma educação de qualidade pode existir no país”, observa Harlei.
Rust, de 17 anos, veio de Santa Catarina e é militante da União da Juventude Comunista (UJC), e afirma que a concentração na capital goiana é muito importante por ser um importante polo estudantil. “O Congresso Nacional é o mais conservador dos últimos 50 anos, e vem dia após dia aprovando propostas neoliberais que apenas buscam retirar cada vez mais os direitos dos brasileiros, principalmente dos estudantes. E nós não podemos permitir que isso continue, somente a luta pode impedir e mudar a atual situação”, elucida.
“As eleições também não são democráticas, elas são apenas uma forma de iludir a população que só tem seus direitos retirados pela administração do País. Nós não podemos ter na política e na figura daqueles que a representa um horizonte de esperança que vai trazer tudo aquilo que temos direito. Somente com a luta e com a revolução, que deve começar com a juventude estudantil, é que podemos mudar o panorama do Brasil”, completa o estudante.
Secundaristas indígenas
Lucas Xavier
O evento conseguiu trazer estudantes secundaristas de vários Estados do Brasil, o que provocou uma diversidade de realidades na Praça Universitária. Bruna Kri da Silva é estudante indígena e veio de Chapecó, no interior de Santa Catarina, a cerca de 1.500km de Goiânia. Ela faz parte do povo Kaingang e, no ano passado, ocupou a escola em que estuda, contra a PEC 241 (PEC dos gastos). Após a ocupação, ela começou a se envolver com a militância secundarista.
De acordo com Bruna, apesar do movimento de ocupações, que era nacional, não ter alcançado o objetivo principal, algumas reivindicações regionais foram atendidas. “Nós conseguimos que o transporte levasse a gente porque não tínhamos condições de ir para a escola, que fica a 18km da aldeia”, explica a estudante, que precisou estudar fora da aldeia a partir do primeiro ano do ensino fundamental.
A discriminação contra estudantes indígenas em escolas tradicionais é frequente. Bruna conta que desde o jeito de olhar até ofensas verbais diretas são comuns na escolaemqueestuda. Eladizquejá foi chamada de bugre, que é uma denominação que europeus davam para indígenas que não haviam se convertido ao catolicismo. Na região de Chapecó, é comum que o povo Kaingang seja pejorativamente chamado por bugre.
A estudante também relata que o povo indígena tem uma percepção diferente da história do Brasil, e que isso interfere também no processo de aprendizagem. “A história do Brasil para nós é como vivíamos antigamente, tinha muito mato, muitos rios e muita vida, depois vieram os homens brancos e começaram a destruir tudo”, explica. Os alunos indígenas do Colégio Municipal São Francisco, de Chapecó, que é a escola onde Bruna estuda, possuem um acompanhamento especial de uma professora indígena.
Para Bruna, o maior problema de ser indígena em um espaço de brancos é a falta de compreensão. “Na educação de nós indígenas, falta começar a entender melhor o que a gente faz e quais são as nossas crenças. Nós temos nossas crenças e somos discriminados por isso”.