Por Eduardo Gayer
O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta segunda-feira, 27, que a tendência do Ministério Público é arquivar o relatório a ser entregue pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado. "Eu não posso admitir certas acusações. Vão fazê-las. Tudo bem. Vai passar pelo Ministério Público. Eu acho que o MP vai... A tendência é arquivar esse negócio todo. Isso é um circo. Não interfiro em decisões do senhor (procurador-geral da República) Augusto Aras, zero, mas ele tem consciência do que está acontecendo", disse o chefe do Executivo em entrevista à Jovem Pan.
Aras é considerado um aliado político do Planalto e é o responsável por dar andamento a eventuais denúncias sobre a conduta do presidente durante a pandemia que devem ser apresentadas pelo relator da CPI, o senador Renan Calheiros (MDB-AL). O parlamentar também ganhou críticas de Bolsonaro durante a entrevista: "Me chama todo momento de corrupto. Acho que está olhando para o espelho". O chefe do Executivo garantiu que receberá o relatório "com tranquilidade".
Facada
Bolsonaro ainda declarou que não está satisfeito com a conclusão da Polícia Federal de que Adélio Bispo, que o esfaqueou durante a corrida eleitoral de 2018, agiu sozinho. "Trocou o diretor da Polícia Federal para a gente continuar investigando, mas no meu ver tem muito interesse para que isso seja abafado", afirmou o presidente.
Mendonça
Na entrevista, Bolsonaro defendeu a indicação de André Mendonça ao Supremo Tribunal Federal (STF), negou que esteja trabalhando contra o ex-ministro da Justiça e disse acreditar na aprovação do nome à Corte pelo Senado. Contudo, o Planalto não tem trabalhado ativamente para pressionar o presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a pautar a sabatina de Mendonça no colegiado.
"Espalham boatos de que eu estaria trabalhando contra o André, não tem cabimento", disse Bolsonaro à Jovem Pan. "André Mendonça tem resistência por parte de alguns, mas acredito que passe. (...) André sabe a Bíblia toda e conhece a legislação muito bem", acrescentou. Ao indicar Mendonça, Bolsonaro cumpriu promessa de indicar alguém "terrivelmente evangélico" para a Suprema Corte.
De acordo com o chefe do Executivo, ele não recebeu pressões para indicar o ex-ministro ao STF, mas afirmou que é preciso ter nomes que passem no Senado, a Casa responsável por aprovar indicações à instância máxima do Judiciário. "(É preciso) alguém que tome Tubaína comigo e passe lá por aquele gargalo que é o Senado", declarou. Também por isso, disse Bolsonaro na entrevista, ele indicou o ministro Kassio Nunes Marques, já em atuação no Supremo. "Era o nome que passaria com tranquilidade lá", acrescentou. O presidente também disse manter encontros regulares com Nunes Marques. "Uma vez por mês. Às vezes, duas".
Apesar das dificuldades para emplacar Mendonça, Bolsonaro disse que, hoje em dia, a maioria do Parlamento "dança a mesma música" que o governo. Ele ainda voltou a dizer que o presidente que assumir em 2023 indicará dois ministros para o STF. "Devagar, vai mudando", declarou. Em 2023, aposentam-se da corte os ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber.
O presidente também afirmou que indicaria outro evangélico para o STF caso André Mendonça, seja rejeitado no Senado. "No compromisso que fiz junto aos evangélicos, eu indico outro evangélico. Mas acho que vai dar certo o André", reforçou.
Em seguida, o chefe do Executivo discorreu sobre o perfil que deseja para um ministro da Suprema Corte: "o que eu quero de um ministro do Supremo? A pauta de costumes, a questão da economia, o marco temporal", afirmou, na entrevista.
Bolsonaro, contudo, não quis comentar durante a entrevista sobre a resistência do presidente da CCJ do Senado, Davi Alcolumbre, em pautar a indicação de Mendonça no colegiado, o que travou o processo de indicação do ex-ministro da Justiça. "Não quero entrar em boatos. Todo mundo quer poder", limitou-se a dizer.
Eleições
Apesar de voltar a elogiar a proposta do voto impresso, derrotada na Câmara dos Deputados, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que as eleições de 2022 podem ter credibilidade com o acompanhamento dos processos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pelas Forças Armadas.
Em agosto, o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, anunciou medidas para ampliar a transparência dos mecanismos de auditoria do sistema eletrônico de votação, criticado sem provas por Bolsonaro, mas considerado seguro por especialistas. Entre as propostas, a Corte eleitoral criou uma comissão externa para acompanhar o funcionamento do sistema eleitoral com a participação de representantes de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Polícia Federal (PF) e as Forças Armadas.
"Tenho certeza que as Forças Armadas não vão aparecer como moldura desse quadro. Nós devemos ter acesso desde a primeira fase até a última fase. Se nós participarmos de todas as fases, com essas outras entidades, dá para você ter credibilidade no sistema", declarou Bolsonaro na entrevista à Jovem Pan. "As sinalizações de Barroso nos dão certa tranquilidade", acrescentou.
Ainda assim, o presidente voltou a questionar a segurança do processo eleitoral. "Obviamente, no sistema eletrônico quando entra fator humano, você fica preocupado", afirmou, na entrevista, sobre a participação de entidades. "Queremos lisura. Queremos garantir que se você votou no João, seu voto foi pro João. A gente quer isso aí. A gente não conseguiu o voto impresso, que seria, ao meu ver, solução ideal", voltou a dizer o presidente. "Eu temo a volta da esquerda, mas se voltar pelo voto, paciência".
A PEC do voto impresso não conseguiu adesão suficiente dos deputados para seguir a tramitação na Câmara. À época, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), havia afirmado que o presidente se comprometeu a não mais tocar o assunto caso a proposta fosse derrotada em plenário, promessa que não se concretizou. O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, chegou a ameaçar Lira por meio de interlocutor de que não haveria eleições em 2022 sem voto impresso, como revelou o Estadão/Broadcast Político.
Mourão
Depois de já ter dito que o vice-presidente Hamilton Mourão atrapalha e compará-lo a um cunhado, o presidente Jair Bolsonaro afirmou agora que o general ainda não está descartado como seu companheiro de chapa nas eleições do ano que vem. "Não está descartado, mas não está garantido", disse o chefe do Executivo na entrevista. Bolsonaro já sinalizou várias vezes que não pretende ter Mourão como vice em 2022, fato já reconhecido, inclusive, pelo próprio vice-presidente em entrevistas.
Questionado sobre quem poderia dividir chapa no ano que vem, se não estiver com Mourão, o presidente disse ter "algumas pessoas" no radar. "Muitos falam que seria bom alguém de Minas ou do Nordeste. Tem que ser alguém sem ambição pela cadeira (de presidente)", destacou. O presidente reconheceu, também, que está atrasado para escolher seu partido para disputar a reeleição.
Bolsonaro disse ainda ao longo da entrevista que é preciso ter mais militares no governo. "Militar não é incorruptível, mas a chance de se corromper militar é menor", avaliou o presidente, desconsiderando as suspeitas de corrupção expostas pela CPI da Covid com possível participação de militares alojados no ministério da Saúde.
De origem militar, o chefe do Planalto voltou a dizer que mantém conversas com integrantes das Forças Armadas. "O meu relacionamento com o ministro da Defesa e com comandantes de Forças é dez. É 100%. Agora, nós conversamos onde podemos ir, onde somos prejudicados por certas ordens", declarou. Pouco depois, na mesma entrevista, descartou mais uma vez a possibilidade de uma ruptura. "Não queremos um regime de exceção "
Ainda no tema eleições, Bolsonaro voltou a questionar as pesquisas de intenção de voto. "Lula tem voto, mas não é isso que estão botando", afirmou. Em seguida, confirmou que debateria com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deve enfrentar nas urnas em 2022. Em 2018, o presidente Jair Bolsonaro evitou comparecer aos debates eleitorais.
Fake News
Na avaliação do presidente Jair Bolsonaro, até STF quer se ver livre do inquérito das fake news. "Com todo respeito, sei que posso ser investigado por algo que fiz no meu governo. Mas não dessa forma, sem anuência do Ministério Público, é um negócio capenga", disse o chefe do Planalto na entrevista. "Não vou jogar fora das quatro linhas (da Constituição), mas também não posso admitir que joguem fora das quatro linhas para me atingir", acrescentou.
De forma indireta, o presidente ainda criticou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), pela devolução ao governo da Medida Provisória que dificultava a remoção de conteúdos falsos das redes sociais. "Não existe a figura de devolução da Medida Provisória, engoli mais um sapo e resolvi ficar quieto", disparou.
Apesar de dizer que não deseja polemizar com o STF, Bolsonaro voltou a elogiar os atos de 7 de Setembro, marcados por ameaças à Corte e pivôs do crescimento da tensão entre os poderes. "Foi algo inacreditável, nos dá uma injeção de ânimo", disse o presidente sobre as manifestações.
Medicamentos sem eficácia
Durante a entrevista, o presidente da República voltou a criticar o passaporte da vacina e a defender seu discurso na Assembleia-Geral da ONU, marcado pela defesa de medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19. "Falei de tratamento precoce na ONU, 90% (do governo) não queriam que eu tocasse no assunto", lembrou Bolsonaro, voltando a dizer que tomaria o kit covid novamente, se infectado.
Segundo ele, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, o ministro da Advocacia-geral da União (AGU), Bruno Bianco, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e o presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, que testaram positivo para o novo coronavírus, "tomaram alguma coisa" para se tratarem da doença.
Sem apresentar provas ou ser contestado pelos entrevistadores, Bolsonaro afirmou ainda, durante a entrevista, que o "pavor" da covid leva a queda de imunidade, e, assim, pode aumentar a possibilidade de infecção. "Tem estudos reais aí fora de que quem se imunizou pelo vírus está dez vezes mais imunizado que pela vacina", disse, ainda, sem tampouco citar estudos científicos. A vacinação é considerada a melhor forma de vencer a pandemia e a imunidade trazida pela infecção é muito menos duradoura, como já mostrou a ciência. "A história vai demonstrar que nós fizemos a coisa certa", finalizou Bolsonaro sobre o assunto.
Precatórios
O presidente voltou a reconhecer, a "bomba fiscal" representada pelo pagamento de precatórios de 2022, mas afirmou que o impasse é uma armação contra o seu governo. "Se tiver que pagar todos os precatórios ano que vem, não vai ter orçamento, vou entregar a chave para alguém", declarou Bolsonaro na entrevista à Jovem Pan. "Temos que negociar. Nós sabemos que precatórios, em grande parte, são armação, para ser educado. Mas vamos vencer", acrescentou. "(Precatórios) Atendem, em grande parte, Estados do Nordeste. É um negócio que começou em 2002 e vem estourar no meu colo agora, parece que era programado estourar isso aí no meu colo nesse momento".
O chefe do Executivo confirmou ao longo da entrevista que o governo negocia a questão dos precatórios com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, e outros ministros.
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