Política

É raro, mas existe político honesto

Diário da Manhã

Publicado em 20 de setembro de 2016 às 02:24 | Atualizado há 4 meses

  • Em meio aos diálogos comprometedores, ligações perigosas e enriquecimentos ilícitos, é possível encontrar políticos honestos.

Quando Lula diz que não é apenas o político “mais honesto do Brasil”, mas o brasileiro mais honesto, a frase soa como provocação para parcela do povo. Rodeado de amigos presos e condenados, o próprio Lula tornou-se denunciado pela Justiça.

Conforme a Receita Federal, seu patrimônio aumentou 360 vezes nos últimos anos. Igual Lula não faltam políticos que se dizem honestos. Mas que foram flagrados em ligações suspeitas com criminosos, sentenciados. Como Lula, muitos políticos têm amigos de longa data detidos em operações criminais.

Eles estão espalhados pelo Brasil, em Goiás, Minas, enfim, em várias cidades e Estados. Geralmente, esses políticos até parecem bons gestores. E entregam obras relevantes, mas antes superfaturam, desviam, ganham com aplicação dos recursos contingenciados, conseguem lavar o dinheiro de que se apropriaram através de doações, vendas de imóveis, palestras, etc.

Mas teve um tempo que realmente existia político honesto. Eles são raros na história da política goiana e do Brasil. Não é lenda, mas exige esforço para serem encontrados.

O primeiro parâmetro para selecionar um político realmente correto é seguir o princípio de que não basta ser honesto, precisa também parecer honesto.

Logo, os gestores e legisladores que são sempre citados em atos suspeitos ou que têm amigos envolvidos em esquemas estão absolutamente fora da lista dos íntegros.  Os tarados em uma porcentagem, uma propina, então, nem se fala.

Quase sempre a regra “onde tem fumaça, há fogo” vale para políticos criminosos.  Eles dificilmente são flagrados, pois usam presidentes de partidos, de estatais, tesoureiros e outros laranjas para fazerem  esquemas. Como raramente assinam documentos ou são vistos negociando bens públicos ao telefone, raramente são presos.

Por isso, ser honesto mesmo é uma raridade na política. O ex-deputado federal e ex-senador goiano Alfredo Nasser (1907-1965) é uma unanimidade na lista dos íntegros.

Diversas personalidades da política e especialistas em história consultados pelo DM classificam Nasser como o político mais honesto do Brasil e, consequentemente, de Goiás.  Seu nome foi citado 14 vezes em uma lista com 20 consultados.

Jornalista e advogado, Nasser era considerado grande tribuno, com fôlego para discursos densos e polêmicas infindáveis sobre direitos sociais e individuais.

Ao contrário da maioria dos políticos da atualidade, que remuneram ghost writers para escrever suas ideias, Nasser era espontâneo e datilografava seu próprio discurso.

Passou pelos cargos mais importantes do País – de ministro da República a auxiliar de Getúlio Vargas – e enfrentou uma época em que a política não era habitada pelos corruptos que hoje se locupletam, desviando recursos de merenda escolar, de hospitais públicos e de estatais – como a Celg, empresa goiana que enriqueceu vários homens públicos, mas que por ineficiência da Justiça nada jamais se provou de substancial.

Nasser não tem um único caso de corrupção denunciado. É, de longe, um intelectual, com formação acima da média dos atuais governantes e legisladores. Quando tomou posse como ministro da Justiça, em 1961, em Brasília, morava num barracão na Rua 74. Modesto, sua riqueza estava nos livros que colecionava.

Equiparado a ele está o maior governador da história de Goiás, responsável pelas maiores obras do Estado. Pedro Ludovico (1891-1979) é historicamente considerado probo. Assumiu o governo após a revolução de 30. Foi chamado a se alinhar com Getúlio Vargas e acabou desmantelando a estrutura do coronelismo no Estado. Seu passado político é limpíssimo, sem qualquer citação em investigações, amizades com criminosos ou relações com denunciados. Seu patrimônio, conforme as séries históricas da Receita Federal, foi linear desde quando assumiu cargo de gestor público e jamais aumentou.

Outro político notadamente honesto, conforme os documentos históricos, é Boaventura Moreira de Andrade (1912-1965), vereador histórico por Goiânia. Pedreiro, baiano, exímio mergulhador, ele falava de forma incorreta e constantemente tornava-se motivo de piadas.

O lado humano, todavia, entrou para a história: o vereador se elegeu cinco vezes. Adorado por onde transitava, Boaventura  utilizava uma bicicleta para transitar na Capital – e foi com ela que morreu, em 1965, atropelado na Vila Nova.

Jamais foi denunciado por qualquer atividade suspeita. Ajudava o povo como pedreiro. Não raro participava das construções de obras. Perito em mergulho, era chamado para ajudar na busca e socorro de pessoas  desaparecidas nos mananciais da Capital.

Boaventura tornou-se mito da política goiana, lembrado pela crônica jornalística, nos estudos sobre Goiânia e seu crescimento desordenado. É homenageado apenas em uma praça no setor Vila Nova.

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BRILHANTE

Outro intelectual e jornalista no rol dos honestos é o ex-senador goiano Domingos Vellasco (1899-1973), considerado um dos mais brilhantes políticos do País, fundador do PSB, jurista e escritor.

Velasco é reconhecido como um gênio goiano, tamanha a envergadura de suas atividades intelectuais. Ao contrário da maioria dos políticos da modernidade, sem formação sólida nem educação, ele entra para a história com um recorde de atividades: foi militar, oficial do Exército, advogado, jornalista, pesquisador, historiador, escritor, ensaísta, contista, cronista, ficcionista, memorialista, produtor cultural, literato, administrador, educador, ativista de causas populares, diplomata, conferencista, deputado federal, senador, ministro togado do Tribunal Superior do Trabalho e fundador do PSB histórico.

Neste seleto grupo não pode faltar o ex-senador, ex-governador e ex-ministro da Saúde Henrique Santillo. Reconhecido como um gestor apenas regular, o desafeto do irismo é um exemplo de conduta. Considerado a melhor nota do curso de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Santillo era retratado como um intelectual de verve social, que preferia discutir cultura às negociatas da política. Jamais se envolveu em casos de corrupção.  Acusado pelo ex-governador Ciro Gomes, ganhou na Justiça direito à indenização.

A honestidade, evidente, se referia à ficha corrida na política. Para vencer as eleições em 1986, por exemplo, usou artimanhas da política, como a promessa de um metrô para Goiânia – fato que volta e meia se repete como arquétipo na política goiana, com VLT, trem bala, “expresso pequi” e outros. Mas fora isso, conseguiu atravessar a vida pública com probidade e ética.

 

Políticos tradicionais tentam  apagar história dos honestos

Há dez anos, um movimento na Assembleia Legislativa de Goiás tentava dar um golpe no ex-senador Alfredo Nasser: mudar o nome do palácio e tirar o do político goiano. O ex-presidente da casa Samuel  Almeida, afastado da política atualmente e denunciado por improbidade administrativa em 2008,  era um dos políticos que avaliaram a mudança do nome do palácio Alfredo Nasser.

Na época, o prefeito Paulo Garcia era deputado estadual e questionou o projeto. O vice-presidente da Câmara, vereador Anselmo Pereira (PSDB), criticou também a tentativa: “Isso é absurdo. Nasser foi um dos homens mais ilustres e respeitados do Estado. Tinha o que não se tem hoje: o perfil de político honrado, correto, honesto”.

Na época, dizem reportagens que realizaram cobertura da polêmica proposta, além de Samuel Almeida, o governador Marconi Perillo teria demonstrado interesse em homenagear JK no lugar de Nasser quando fosse inaugurada a nova sede do Legislativo. Mas teria mudado de ideia diante da polêmica. Os políticos honestos apresentam algumas características que os aproximam:  intelectuais, universitários, professores, advogados, jornalistas, engenheiros, médicos, pedreiro, etc., antes de serem políticos. E, sobretudo, não prezam por colocar a parentada na política.

Com esse perfil solitário e de defensores da moralidade, eles sofrem o descaso, como a tentativa de mudar o nome do palácio Alfredo Nasser, pois não deixaram herdeiros nem defensores fervorosos que se enriqueceram com eles. Com perfil público completamente diferente da política da atualidade, eles se esquivam de negociatas e esquemas que possam envolver os parentes. Jamais, de forma alguma, esses políticos teriam – como Lula – uma esposa envolvida em escândalos. As diferenças são muitas.

 

País tem lista de políticos íntegros

O Brasil tem um núcleo reduzido de políticos que pode ser considerado realmente honesto. Juscelino Kubitschek (1902–1976) integra este círculo restrito. Em que pese receber críticas quanto ao modelo de governo que tentou implantar no Brasil – o desenvolvimentismo a qualquer custo, – o ex-presidente morreu sem pompas, contas bancárias recheadas e grandes propriedades.

Sua “fazendinha” em Luziânia ficou abandonada, tamanho desprendimento dos que ficaram para honrar o nome da família JK.

Nas semanas em que esperneou para não ser preso por suposto crime de corrupção, Lula tem também se comparado com JK. Alguns dos brasileiros que conheceram os dois governantes não concordam com a medida. “Comparar a trajetória político-administrativa do honrado ex-presidente JK com Lula é humilhar e afrontar a nação”, diz o jornalista Armando Acioli.

ÉTICA

Ainda na lista dos honestos, no âmbito nacional, é possível selecionar Jefferson Peres (1932-2008), professor de Direito  e Administração. É considerado um dos homens mais éticos na história do PDT, tendo se firmado como senador na década passada.

Foi candidato a vice-presidente em chapa ao lado de Cristovam Buarque, tornando-se conhecido nacionalmente em 2006. Morreu sem enfrentar uma única acusação ou processo. Na mesma linha de Jefferson Peres, o peemedebista Pedro Simon (1930), que abandonou o Senado em 2014, deixou um discurso emocionado sobre sua vida. Ilibado, sempre apresentou um discurso que concebia humildade e combatividade. “Fiz menos do que eu poderia e muito menos ainda do que eu desejei fazer”.

Ao comentar a ética das gestões do PT, Pedro Simon sempre foi severo, apesar de respeitar a história de Lula. “O PT foi pior que o governo militar em termos de ética”. Advogado e professor universitário, tornou-se na voz mais consultada no Senado durante seus três mandatos.

O patrimônio do senador jamais foi questionado na Justiça.  Sua imagem é a do morador da Avenida  Protássio Alves, em Porto Alegre. Morava em cima de uma loja da família.

Também no Senado, o jornalista e economista José Reguffe se destaca pelo currículo absolutamente limpo.  Eleito em 2014 ao Senado, ele já apresentava uma carreira em ascensão: em 2010, após mandato como deputado distrital, foi eleito o deputado federal proporcionalmente mais votado do Brasil. Tem em seu currículo um conjunto de ações moralizantes, como o fim do auxílio moradia para distritais.

Sua ação política o colocou em foco após realizar campanhas pelas ruas, em que ele sozinho distribuía seus santinhos. O site políticos.org o coloca no topo, com 474 pontos, como o parlamentar de melhor qualidade no País. O político abandonou o PDT quando a legenda decidiu apoiar  Dilma Rousseff no episódio do impeachment.

Ex-candidato a presidente, Cristovam Buarque é outro político com reputação ilibada. O educador tornou-se nome de destaque nacional após ser escalado por Lula para compor seu ministério e cuidar da Educação, em 2003. Mas pouco depois o senador foi demitido  pelo presidente.

Desde então o engenheiro e professor universitário segue caminho próprio, sem deixar de pontuar suas opiniões sobre a condução do governo. É crítico das gestões de Lula, Dilma e de Temer, apesar de tê-lo beneficiado ao votar contra a volta de Dilma ao governo.

 

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