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Dia Mundial de Conscientização do Autismo – desafios e busca por inclusão

No Brasil não há estudos estatísticos sobre os diagnósticos de autismo, sem números oficiais, estima-se que cerca de dois milhões de pessoas possuam o transtorno no país. De acordo com a Revista Autismo, um estudo piloto feito em São Paulo no ano de 2011 com 20 mil habitantes aponta que a cada 327 crianças, uma possui Transtorno Espectro Autista (TEA).

Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), a estimativa considerada é que na população mundial aproximadamente 1% das pessoas estejam dentro do espectro do autismo, ainda que a maioria não tenha o diagnóstico.

O Transtorno do Espectro do Autista é uma condição que se caracteriza por padrões de comportamento repetitivos e dificuldade na interação social, que afetam o desenvolvimento da pessoa. É considerado um transtorno de neurodesenvolvimento.

A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), tem dados atualizados em 2017 com informações de que os indivíduos com transtorno do espectro autista frequentemente apresentam outras condições concomitantes, entre elas: epilepsia, depressão, ansiedade e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).

A condição, que tende a persistir durante a adolescência e idade adulta, de modo geral começa na infância e os sinais se tornam aparentes nos primeiros cinco anos de vida. Segundo a OPAS o nível de funcionamento intelectual de indivíduos com autismo é variável - de pessoas que não recebem diagnóstico, com vida comum, estendendo-se até um comprometimento grave.

A principal causa apontada é o fator genético. Na Revista Autismo há relatos de um trabalho científico de 2019 que demonstra que entre 97% e 99% das possíveis causas são genéticas. Além disso há outros fatores considerados, como idade paterna avançada, uso de ácido valpróico na gravidez e fatores ambientais.

A condição pode limitar a capacidade de realização das atividades cotidianas e de participação na sociedade. Como não há cura é importante a intervenção na primeira infância, para otimizar o desenvolvimento e o bem-estar das pessoas com TEA. Uma vez identificado, é importante que o autista e sua família recebam informações, encaminhamento e assistência específica.

O acesso a serviços e apoio para esses indivíduos e seu núcleo familiar é globalmente inadequado segundo a Organização Pan-Americana da Saúde, mas, duas mães, a Eliana Marques e Sandra Paro, que têm filhas diagnosticadas com autismo, desenvolveram ferramentas para melhorar a qualidade de vida de suas filhas e os aplicativos tem auxiliado várias pessoas da comunidade autista.

Aplicativo Rede Azul facilita contato com grupos de apoio para familiares e pessoas com TEA

Elaine Marques, mãe de Alícia Nicol Marques, diagnosticada com TEA, elaborou um aplicativo na busca de soluções para facilitar a vida da filha. Desde o diagnóstico de Alícia a família enfrenta dificuldades na busca por tratamentos, medicamentos e ensino adequado. Pensando nisso a publicitária de Indaiatuba (SP) começou a elaborar o Rede Azul.

Lançado em dezembro de 2019 na Google Play, o aplicativo tem proposta colaborativa através do compartilhamento de experiências, está atualmente disponível para todo o país. Ele contém 18 categorias, entre elas, escolas, terapias, estética, igreja, esportes, turismo e Famílias do TEA - seção que pretende criar uma rede de apoio entre familiares.

Pensando que, assim como em sua família, outras pessoas poderiam passar pelos mesmos problemas, Elaine Marques incluiu na interface o filtro de conteúdo por estados, facilitando a busca pelas indicações de profissionais, serviços e oportunidades. A ideia da categoria Grupo de Apoio é facilitar a procura das famílias de pessoas com Transtorno do Espectro Autista pelos grupos que podem acolhê-las em todo país.

Os usuários podem deixar suas indicações de locais ou serviços amigáveis para pessoas com TEA - que dentro do aplicativo recebem o nome de Pontos Azuis - para que outros possam consultar, vivenciar e avaliar. As categorias são criadas de acordo com as demandas. Presente em 19 estados e com apenas três meses de existência, o Rede Azul já possui 1,5 mil usuários ativos.

A idealizadora destaca que queria uma forma organizada para as maiores necessidades como médicos, escola, cursos e serviços, como por exemplo despachantes, mas a preocupação é que sejam prestadores de serviço com experiência, que estejam preparados para atender esse público, esclarecer dúvidas e trazer informações que essas famílias podem não ter conhecimento, “o autista está na lista de pessoas que tem benefício de isenção na compra de um carro”, exemplifica.

O tempo e a informação são fatores determinantes frisa a publicitária, "temos responsabilidade social, como cidadãos precisamos praticar o olhar ao próximo. Eu consegui encontrar as coisas para minha filha e tudo bem? Não, e o próximo? Me incomodava saber que as pessoas que receberam o diagnostico hoje não conhecem nem o que tem na própria cidade".

"Estou tentando validar esse modelo, para que no futuro o aplicativo possa abraçar outras deficiências e necessidades" .

Idealizadora do aplicativo Rede Azul que aproxima famílias da comunidade autistaFoto: Fernando Schroeder

Diagnóstico dificultado por falta de informações

Elaine, que teve sua filha diagnosticada aos 12 anos, explica o diagnostico tardio “Alicia teve todas as fases do desenvolvimento, andou, falou e tinha os estímulos normais para cada idade. Quando ela foi para primeira série a professora pediu para que ela refizesse por não ter maturidade e não reter parte do conteúdo esperado. Fomos encaminhados para uma psicóloga e pedagoga porque acreditávamos ser uma questão de aprendizado”.

Elaine conta que Alicia, hoje com 17 anos, sempre foi uma criança muito comunicativa, sociabilizava com outras crianças normalmente e alerta para o fato de as pessoas acharem que autistas são apenas os clássicos que não falam e fazem apenas movimentos repetitivos “as pessoas não sabem que uma pessoa que fala, escreve também pode ter autismo”. De acordo com ela passaram por vários profissionais por falta de informações claras.

Elaine com a filha Alicia / Foto: Fernando Schroeder

“Começamos uma caminhada, indo de um médico para outro. Falavam várias coisas, não nos sentíamos seguros com nenhuma das falas. Alicia chegou a ser diagnosticada com três tipos de transtorno por um neurologista”, relata. Foram muitos exames e medicamentos que inicialmente funcionavam, mas depois não apresentavam melhoras, o que levou a uma nova busca por outras opiniões.

Até a indicação para um psiquiatra que é o médico responsável pelo diagnóstico do Transtorno do Espectro do Autista, Elaine esclarece que foram muitas dificuldades e tempo perdido, o que a incomodou “fizemos tratamentos errados, faltava indicação. Pensei e se tivesse um lugar que reunisse todas essas informações? E se esse lugar fosse um aplicativo? E se esse aplicativo pudesse ter indicações de outros pais? ”.

Assim surgiu a ideia de criar a ferramenta, para que as famílias que tivessem experiências positivas com atendimentos, profissionais e estabelecimentos compartilhassem essas informações. “ Autistas são pessoas que querem estudar, desenhar, fazer teatro, trabalhar. Cada um que tivesse uma boa experiência poderia relatar para que outras pessoas tivessem contato com bons serviços e oportunidades”.

Em 2017 Elaine iniciou sua busca por pessoas que se interessassem pelo projeto para que ele fosse viabilizado. Em abril de 2019 ela encontrou uma Agência de Marketing Digital a Firefish, que se interessou pela causa e proporcionou condições para que ela pudesse arcar com as despesas do aplicativo. Outros parceiros foram muito importantes para o projeto segundo Elaine, a Law.Sa Advocacia e a Agência Blues Propaganda.

ABA +

Embora algumas pessoas com TEA possam viver de forma independente, o transtorno pode ter um impacto negativo nas conquistas educacionais e sociais dos indivíduos, pensando nisso a professora universitária Sandra Paro e seu esposo Vinícius Reis, que é analista de sistemas criaram um software facilitador da integração e supervisão das terapias utilizadas cotidianamente no tratamento do TEA, o ABA+.

Essa ferramenta auxilia o trabalho dos profissionais visando a otimização do tempo e o aumento da eficácia do tratamento. Mediados pelo ABA+, a equipe de profissionais tem a oportunidade de reavaliação de seus programas e objetivos e assim podem atender às demandas específicas de cada paciente.

Para que a filha, assim como todos os outros portadores de TEA pudessem ter seu desenvolvimento e ganho de autonomia acelerados iniciaram os estudos para criação da ferramenta, “como educadora eu já conhecia o autismo, mas não vivenciava a experiências de educar uma criança com autismo tão de perto. Quando minha filha foi diagnosticada, aos 2 anos, iniciamos uma busca por tratamentos eficazes e estudamos muito sobre a intervenção científica de maior relevância no tratamento do autismo, a ciência ABA” afirma a professora.

O software foi criado com a consultoria de profissionais ABA, o protótipo foi construído em 2017 e colocado no mercado em 2018 após os testes, “de lá para cá passou por várias inovações e implementações para atender às necessidades dos profissionais, pais tutores e clínicas escolas” afirma Sandra. "Hoje a empresa ABA+ não conta apenas com o software, mas também com jogos, recursos terapêuticos, obras autorais, eventos de conscientização e capacitação”.

Sandra que é professora universitária e Mestra em Crítica Literária afirma que após o diagnóstico é muito difícil raciocinar com clareza e ressalta a importância de ser encaminhado aos profissionais certos. “Todo indivíduo é capaz de aprender e toda criança pode se desenvolver, Lovaas tem uma frase sobre crianças com autismo que eu gosto muito, é a seguinte: Se eles não podem aprender como ensinamos, nós ensinaremos de uma maneira que eles possam aprender”, finaliza.

Sandra, Vinícius e a filha Valentina. / Foto: Valéria Fleury.

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