
Nos últimos anos, a relação entre alimentação e saúde mental tem ganhado cada vez mais atenção, com estudos destacando como os hábitos alimentares podem influenciar diretamente o bem-estar emocional e até mesmo agravar crises de ansiedade.
De acordo com a nutricionista e membro da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), Juliana Saldanha, é importante considerar a saúde mental como resultado de uma combinação de fatores genéticos e ambientais. "As desordens psiquiátricas vêm crescendo no mundo, e esses dois fatores estão envolvidos na gênese desses problemas. Nesse sentido, as intervenções em estilo de vida, como a preocupação com a alimentação, exercem um papel fundamental, não só para o tratamento, mas para a prevenção do aparecimento", afirma Saldanha.
A conexão entre a alimentação e os distúrbios psiquiátricos é tão forte que, em 2013, foi criada a International Society for Nutritional Psychiatry Research (ISNPR), uma sociedade dedicada a pesquisas na área de psiquiatria nutricional.
A nutricionista clínica e hospitalar do Laboratório IonNutri, Jéssica Kozaka, destaca que "a alimentação impacta diretamente na saúde mental e emocional, uma vez que os nutrientes influenciam o funcionamento do cérebro e o equilíbrio hormonal". Especializada em Fisiologia e Bioquímica da Nutrição, ela ressalta que o consumo de alimentos processados e ultraprocessados, combinado com o sedentarismo, tem contribuído para o aumento de problemas de saúde mental.
O médico psiquiatra e vice-coordenador do Ambulim-IPq HCFM-USP (Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), Fabio Salzano, aponta que a crescente obesidade e alterações na ingestão de nutrientes estão diretamente relacionadas com o aumento de índices de depressão e ansiedade. "Há aumento da população com sobrepeso e obesidade e, em consequência, piora na morbidade e mortalidade. As alterações na ingestão de macro e micronutrientes, limitação na atividade física, tabagismo e excesso de consumo de álcool afetam a saúde física e mental, facilitando aumento de índices de depressão e ansiedade", afirma Salzano.
Alimentos ricos em gorduras trans e aditivos alimentares também têm mostrado impacto negativo na função cerebral, prejudicando o estado emocional e mental. "Algumas pessoas com distúrbios de saúde mental podem apresentar uma sensibilidade ao glúten ou a laticínios, o que pode agravar sintomas como ansiedade, depressão ou inchaço. Nessas fases, pode ser interessante evitá-los temporariamente", orienta Kozaka.
Quando o abandono completo desses alimentos não é possível, a recomendação é controlar as quantidades e evitar o consumo excessivo, especialmente durante crises ou momentos mais delicados da saúde mental. Kozaka alerta que o consumo excessivo de cafeína pode piorar a ansiedade, dificultar o sono e aumentar a sensação de nervosismo. O açúcar refinado, por sua vez, pode causar picos de glicose, que resultam em queda rápida de energia, afetando o humor e aumentando a irritabilidade, fatores que podem agravar a instabilidade emocional.
Além disso, o álcool pode piorar os sintomas depressivos e interferir na eficácia dos medicamentos utilizados para tratar a depressão e a ansiedade. Saldanha acrescenta que medicamentos, como fluoxetina, sertralina e escitalopram não devem ser consumidos junto com alimentos fermentados. "Vinho, alguns queijos embutidos e cervejas de fermentação mais longa podem prejudicar a ação do medicamento. Além disso, a maioria dos medicamentos também não devem ser consumidos com bebidas alcoólicas", orienta.
Embora não existam alimentos que tenham efeito imediato sobre as crises, a nutricionista alerta que é essencial evitar "alimentos estimulantes" durante esses períodos, como café, mate, chá preto, chá verde e energéticos.
O plano alimentar saudável pode ajudar a reduzir o risco de transtornos depressivos. A saúde intestinal, por exemplo, vem sendo estudada como um fator complementar no alívio de sintomas de ansiedade e depressão, com a microbiota intestinal sendo associada à redução do cortisol, hormônio relacionado com o estresse. Alimentos ricos em carboidratos complexos, proteínas e gorduras saudáveis desempenham um papel importante na estabilização do humor e da energia. Kozaka também destaca que nutrientes como triptofano, essencial para a produção de serotonina, e o ômega-3, com propriedades anti-inflamatórias, são benéficos para o bem-estar emocional.
A recomendação é manter uma alimentação equilibrada, priorizando peixes ricos em ômega-3, frutas, vegetais, ovos, nozes, sementes, grãos integrais, fibras e probióticos, além de se manter bem hidratado e evitar o consumo excessivo de açúcares refinados e gorduras trans.
Salzano acrescenta que dietas como a mediterrânea, rica em frutos do mar, azeite de oliva, frutas frescas e secas, podem contribuir para a prevenção da queda da função cognitiva, inclusive em quadros de Alzheimer.