O Brasil vive uma tendência de queda da população fumante desde os anos 1980. Segundo dados de 2023 da plataforma Progress Hub, 12% dos brasileiros adultos fumam tabaco. A adoção da Convenção-Quadro da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o Controle do Tabaco ajudou na tarefa de reduzir o vício em nicotina no país. Mas existe uma ameaça, principalmente envolvendo jovens, que pode fazer o número de tabagistas voltar a crescer: os Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs), também conhecidos como vapes.
Uma pesquisa da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), após ouvir 10 mil pessoas de todas as regiões do Brasil, em 2023, constatou que 20% dos jovens entre 18 e 24 anos já experimentaram DEFs. A remodelagem dos antigos cigarros em dispositivos eletrônicos coloridos e com design atraente tornam o produto mais chamativo para esta faixa etária e se transforma em preocupação para especialistas em saúde pública.
Como os DEFs funcionam
Os DEFs surgiram no mercado em 2007 e foram proibidos no Brasil em 2009. O acesso aos dispositivos se dá de forma ilegal, principalmente, por meio da internet. Além do popular “vape”, os aparelhos também são conhecidos por nomes como “e-vigs” e “pendrive”.
Diferente dos antigos cigarros, que usam fogo para dispersar a nicotina, os DEFs possuem baterias semelhantes às de celulares para aquecerem um refil líquido e, a partir daí, vaporizar a substância. Na carga dos vapes, também são encontrados água, solventes e flavorizantes, que dão sabores e cheiros agradáveis.
Um goianiense, de 33 anos, que prefere manter sua identidade preservada, disse ao Diário da Manhã que a curiosidade pelo vape foi o que o levou ao primeiro uso do dispositivo. "Disseram também que ajuda parar de fumar",disse ele. Essa foi uma ideia errada que circulou quando os DEFs surgiram.
A verdade é que os aparelhos contêm mais nicotina do que um cigarro convencional. "Eu acho mais forte. Bem mais forte. Fiquei até tonto a primeira vez",ele respondeu quando perguntado se viu alguma diferença entre o vape e o cigarro convencional.
O vício pode ser rápido
A nicotina é uma substância presente em qualquer derivado do tabaco. Quando inalada, produz efeitos no sistema nervoso central, podendo gerar prazer, alterar o humor e o comportamento. Por afetar áreas do cérebro responsáveis por nossos julgamentos sobre prazer e recompensa, é classificada por autoridades médicas como altamente viciante.
A médica pneumologista Alessandra Schneider, docente no IDOMED, esclarece que o vício em nicotina pode acontecer rápido. "Muitas vezes em poucas semanas de uso regular. A nicotina é uma substância que, ao ser inalada, chega ao cérebro em segundos, liberando dopamina e criando uma sensação de prazer que leva à dependência."
Os riscos à saúde
A ciência ainda não compreendeu plenamente quais os efeitos a longo prazo que os DEFs causam no corpo de seu usuário. Ainda assim, os especialistas relacionam problemas como doenças respiratórias agudas e crônicas, irritações na garganta e lesões pulmonares ao uso dos dispositivos. Nos piores cenários, pode acontecer o desenvolvimento de cânceres, problemas cardiovasculares e enfraquecimento do sistema imunológico.
O professor da Faculdade de Farmácia da UFG, Prof. Dr. Artur Christian Garcia da Silva, cita pesquisas que associam DEFs com o desenvolvimento da doenças pulmonares. "Existem vários estudos que têm relacionado o uso de vapes com doenças induzidas no pulmão. Uma doença específica, chamada Evali, pode levar a uma falência pulmonar aguda e requerer até um transplante de pulmão para aquele indivíduo conseguir sobreviver."
O professor diz que os pesquisadores ainda tentam descobrir quais são as substâncias presentes nos DEFs responsáveis por causar Evali. Segundo Artur Christian, os corantes e flavorizantes não tiveram suas consequências no corpo estudadas quando são aquecidos e inalados. Além disso, pessoas que nunca fumaram e iniciam o uso de DEFs têm mais chances de desenvolver Evali.
A própria dependência como problema
"As consequências emocionais para alguém dependente de nicotina incluem ansiedade, depressão, irritabilidade, dificuldade de concentração e sintomas de abstinência severos", diz Alessandra.
O caminho para o vício foi descrito pela psicóloga Andresa Souza, docente de Psicologia na Estácio, como a busca por uma sensação de prazer que dura pouco. “A busca por tal sensação leva ao aumento no consumo de mais cigarros, fazendo com que sejam necessárias doses cada vez mais fortes para conseguir a mesma sensação de prazer”, diz Andressa.
Tratamento para a dependência
"Para se livrar do vício da nicotina, um dependente deve buscar apoio profissional adequado - o pneumologista fará prescrição de medicações corretas, bem como adesivos de nicotina. A associação com terapias, individuais ou de grupo é imprescindível no tratamento",continua Alessandra.
"Também é importante e fazer mudanças no estilo de vida, como praticar exercícios físicos e evitar situações que desencadeiam o desejo de fumar (ex: tomar café, ingerir bebidas alcoólicas). Contar com o apoio de amigos e familiares também é crucial para manter a motivação e superar os desafios do processo de cessação", conclui Alessandra Schneider.
O tratamento da dependência de nicotina no Brasil é gratuito e amplamente ofertado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) por meio de programas de apoio ao fumante. Esses programas incluem acompanhamento médico, psicológico e o uso de medicamentos que ajudam a reduzir os sintomas de abstinência. Para ter acesso, basta procurar pelo atendimento em uma Unidade Básica de Saúde, em qualquer lugar do país.