Um estudo realizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) sobre a crioablação, técnica que utiliza o congelamento de células cancerígenas, revelou resultados promissores, com 100% de eficácia em pacientes com câncer de mama em estágio inicial da doença. Este é o primeiro protocolo de pesquisa na América Latina a aplicar essa técnica no tratamento de tumores mamários.
A crioablação é um procedimento minimamente invasivo, que se apresenta como alternativa à cirurgia convencional para remoção do tumor. A técnica consiste na inserção de uma agulha fina na área afetada, por onde é injetado nitrogênio líquido a uma temperatura aproximada de -140ºC. O processo resulta na formação de uma esfera de gelo que destrói as células tumorais.
O procedimento é realizado em ambiente ambulatorial, com anestesia local, e permite que as pacientes retornem para casa no mesmo dia, sem a necessidade de internação ou repouso prolongado. "Nosso objetivo com a crioablação é eliminar o tumor de maneira eficaz e menos invasiva. Essa é a grande vantagem do método: você não precisa internar, não precisa tomar anestesia geral e fazer grandes cortes. Você pensa em uma paciente idosa, com muitas comorbidades, isso é uma tremenda vantagem", afirmou Afonso Nazário, professor da Unifesp e um dos coordenadores da pesquisa.
Na primeira fase do estudo, 60 pacientes com tumores de até 2,5 cm e que apresentavam indicação para cirurgia participaram do protocolo. Os resultados mostraram que, entre as 48 pacientes com tumores de até 2 cm, a crioablação eliminou completamente o câncer. Nos 12 casos com tumores entre 2 e 2,5 cm, 8% das pacientes ainda apresentaram pequenos focos residuais da doença após o procedimento.
Em todos os casos, foi realizada uma cirurgia conservadora da mama após a crioablação, consistindo na remoção do quadrante afetado e dos linfonodos axilares. A remoção dos linfonodos é uma prática padrão no tratamento do câncer de mama, utilizada para verificar se as células cancerígenas migraram para o sistema linfático. Contudo, de acordo com Nazário, o objetivo da pesquisa é eliminar a necessidade de qualquer intervenção cirúrgica em tratamentos futuros com crioablação, uma vez que o corpo reabsorve gradualmente as células destruídas pelo processo de congelamento.
Cristina Spolador, assistente de atendimento, 37 anos, foi uma das participantes do estudo. Ela descobriu um nódulo em sua mama em julho de 2023, durante um ultrassom de rotina, e foi incluída no protocolo experimental. "Saí do trabalho, fiz o procedimento e, no mesmo dia, já estava em casa. Não senti dor, apenas uma leve sensação de rigidez na região tratada", contou.
Após a crioablação, além da cirurgia para remoção da área afetada, Cristina também passou por sessões de radioterapia para reduzir o risco de recidiva do câncer na mama ou nas áreas próximas. "A cirurgia foi realizada por protocolo. O exame patológico confirmou que não havia células cancerígenas nos linfonodos, indicando que o câncer não tinha se espalhado", explicou.
Eleni Isabel Bianchi, 68 anos, aposentada, também participou do estudo. Ela descobriu o câncer ao apalpar o seio durante o banho. "Fiz o procedimento de manhã e, à noite, já estava viajando, porque tinha uma viagem marcada. Foi tudo muito tranquilo", relatou. Para ela, a crioablação foi uma opção menos cansativa, tanto física quanto emocionalmente. "A sensação é como estar em um 'mundo congelado', mas vale muito a pena", brincou.
Os pesquisadores agora se preparam para a última fase da pesquisa, que será realizada entre março de 2025 e 2027. Durante essa fase, 700 pacientes serão divididas em dois grupos: metade receberá o tratamento com crioablação, enquanto a outra metade passará pela cirurgia tradicional. A inclusão será restrita a mulheres acima de 60 anos com tumores de até 2 cm, faixa etária que apresentou os melhores resultados na fase inicial do estudo.
"Essa escolha segue evidências de que, nesse grupo, a retirada dos linfonodos axilares não é necessária em câncer inicial. Nosso foco agora é comprovar que a crioablação é tão eficaz quanto a cirurgia em longo prazo", afirmou Nazário.
A técnica, já utilizada em países como Estados Unidos, Japão, Israel e Itália, ainda não está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar de a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ter aprovado o procedimento, a crioablação para câncer de mama não foi incorporada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o que impede sua cobertura pelos planos de saúde.
"O alto custo das agulhas é um desafio, mas acreditamos que a popularização do método vai baratear o procedimento, tornando-o acessível a mais pacientes. Nosso objetivo é tirar de 20% a 30% das pacientes da fila do SUS", concluiu Nazário.
É importante destacar que a crioablação não substitui outros tratamentos convencionais do câncer de mama, como radioterapia e quimioterapia, uma vez que o tumor mamário deve ser tratado de maneira sistêmica. Em alguns casos, o congelamento das células cancerígenas pode ser combinado com hormonioterapia, para bloquear a produção de hormônios que estimulam o crescimento da doença.