Ilustração da série Stranger Things por Kyle Lambert
Para conhecer as preferências cinematográficas do público, as bilheterias mundiais dos cinemas sempre serviram como bússolas que mostram quais são os hábitos dos consumidores. Mas, com o surgimento das plataformas de streaming - que proporcionaram maior inserção no mercado séries e filmes como “O Jornal”, da Croácia, “A Casa de Papel”, produção da Espanha, e “Roma”, do México -, não é preciso mais ir tão longe para compreender quais são tendências: basta dar o play na tela.
Em um cenário de crescimento do streaming e de corrida por lançamento de conteúdos inéditos, o Diário da Manhã conversou com consumidores de produtos audiovisuais sob demanda para saber o que está em jogo. Os cinemas vão sucumbir diante das plataformas como Netflix e Now? Vamos ter de assinar cada vez mais serviços para que possamos assistir algo com pegada diferente das hollywoodianas? Ou o streaming – antes de mais anda - democratizou o acesso ao cinema e às séries?
Assinante do Netflix há pelo menos três anos, a jornalista Juliana Camargo, 22, acredita que os serviços de streaming democratizaram o acesso aos produtos audiovisuais, mas nem por isso ela deixa de frequentar espaços como o Cine Cultura, na Praça Cívica, em Goiânia, pelo menos uma vez por semana. Segundo Camargo, a experiência proporcionada pelas plataformas são diferentes daquelas dos cinemas de rua, que possibilita a construção de uma civilidade e sociabilidade em maior intensidade.
“Não vejo os streamings como algo negativo. Acho que a internet ajuda a democratizar o acesso a produções, que talvez muitas pessoas não teriam por outros meios. Mas é preciso entender que as experiências que os streamings proporcionam são complementes diferentes do que aquelas geradas pelos cinemas”, diz ela, acrescentando: “Isso porque o cinema de rua, diferente dos streamings, não é só uma sala de projeção, então sua importância vai muito além dos enredos dos filmes”.
Moradora de São Paulo e fã da sétima arte, a documentarista Júlia Lee, 23, assiste séries e filmes em ao menos três plataformas de streaming, e mantém por conveniência a assinatura do Netflix em função do catálogo de séries e documentários disponibilizados pela empresa. Ela – que adora as plataformas gratuitas Mundo Cogumelo e Libreflix - diz que ninguém “mais vê televisão” hoje em dia e, ao contrário do que ocorria antigamente, bons filmes e séries podem vistos na internet, com poucos cliques de distância.
“O streaming online, de graça, é importante porque ele ajuda a divulgar o conteúdo audiovisual. Não dá para o cinema ficar preso somente às salas”, argumenta. “Mas também acho que a gente não deveria abandonar o cinema de rua. Tudo deve ser feito de forma independente, porque não dá para a gente confiar nas grandes empresas. Filmes norte-americanos invadem salas de cinema e são consumidos pela burguesia, com ingressos caríssimos dentro dos shopping”, finaliza.
Mudanças
A popularização dos serviços de streaming no Brasil mudou significativamente a maneira como as produtoras negociam seu conteúdo. Agora, ao contrário do que acontecia na época em que as emissoras de televisão monopolizavam o mercado, o controle mudou de mão. Com o novo cenário, as produtores adicionam a exibição em plataformas de VoD no valor final do contrato, viabilizando filmagens e aumentando a quantia de exploração comercial.
Além disso, um personagem ou uma série que tenha conseguido sucesso tem a possibilidade maior de virar outros produtos e, com isso, atingir nichos que antes pareciam impenetráveis. Embora o conteúdo seja veiculado nas plataformas de streaming, as produtoras possuem a liberdade de explorar a marca, o que não ocorria quando os contratos eram realizados com as emissoras de TV. Por isso, empresas como a Netflix preferem licenciar conteúdo ao invés de comprá-lo.
Até o momento, o que se sabe é que os produtores nacionais não possuem dinheiro para arcar com os custos relacionados ao desenvolvimento de conteúdo sozinhos. Segundo a Ancine, cada título de catálogo é tributado, mas, para a agência, essa forma gera impasse às plataformas que estão em desenvolvimento, e facilitam as grandes do mercado. O problema é que com os discursos de Bolsonaro contra a Ancine é difícil saber como será o futuro do audiovisual brasileiro. A incerteza é grande.
Essa estratégia ajuda a incentivar e valorizar a produção do audiovisual brasileiro em tempos onde ele não é tão valorizado. Em entrevista ao jornal “Estado de São Paulo”, o presidente do Conselho de Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais (Apro), Paulo Schmidt, disse que essas medida tem como objetivo aumentar o número de assinantes por meio de programação ampla e divulga a produção nacional em detrimento daquela que é feita nos estúdios hollywoodianos.
O cenário do audiovisual, contudo, está longe de ser mil maravilhas no País. Ao longo das últimas semanas, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) demonstrou sua insatisfação com a situação do cinema nacional e teceu publicamente várias críticas ao meio. Suas declarações provocaram mal-estar e incerteza nos servidores da Ancine, conforme noticiou a imprensa brasileira nos últimos dias, e evidenciou a falta de compreensão sobre a importância da indústria do cinema como meio para difundir a cultura brasileira pelo mundo.