Segundo a Sociedade Brasileira de Reumatologia, a osteoartrite ou artrite é responsável por até 40% das consultas em ambulatórios de reumatologia. A doença, caracterizada pela degradação progressiva da cartilagem, limita os movimentos e reduz a qualidade de vida de aproximadamente 12 milhões de brasileiros.
Para ajudar essas pessoas, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desenvolveu uma solução injetável que se transforma em hidrogel, um material que absorve muita água, bioabsorvível e compatível com os tecidos conjuntivos. Isso permite o reparo de discos intervertebrais e outras articulações no local da lesão, exercendo um papel amortecedor, semelhante ao da cartilagem, gerando alívio da dor e melhoria da mobilidade.
De acordo como o coordenador da pesquisa, Marcelo Ganzarolli de Oliveira, que se dedica ao desenvolvimento de biomateriais doadores de óxido nítrico há mais de 20 anos, a princípio, ele pode ser aplicado em qualquer articulação.
A solução sintetizada no Instituto de Química (IQ-Unicamp) é constituída de uma mistura de ácido hialurônico, gelatina e nanopartículas doadoras de óxido nítrico, um gás que exerce ações benéficas no organismo.
“O ácido hialurônico em combinação com o óxido nítrico pode recuperar parcialmente o tecido cartilaginoso durante o tempo de residência do hidrogel na articulação. Não é uma ação sistêmica, é localizada. O óxido nítrico é gerado naturalmente pelo corpo e, quando liberado a partir do material, em concentrações apropriadas, pode reduzir a inflamação local, contribuindo para a regeneração do tecido”, explica Oliveira.
As aplicações tópicas – diretamente na pele – desses biomateriais já demonstraram ação anti-inflamatória, vasodilatadora, cicatrizante e antimicrobiana. O grupo recebe financiamento da Fapesp por meio do projeto temático “Biomateriais absorvíveis e tópicos para a liberação localizada de óxido nítrico”.
Menos efeitos colaterais
Conforme a pesquisadora do IQ Daniele Mayara Catori, que trabalha no desenvolvimento da nova formulação em seu doutorado, a cartilagem articular recobre as extremidades dos ossos e atua como uma espécie de almofada entre eles, reduzindo o atrito e o impacto causado pela movimentação.
“Devido à baixa irrigação do tecido cartilaginoso, há pouca renovação das células e nutrientes na região intra-articular, o que prejudica a recuperação do tecido lesionado, algo completamente diferente do que acontece com o tecido ósseo, por exemplo. Foi pensando nisso que selecionamos os componentes dessa formulação, visando a fornecer uma matriz temporária para o crescimento celular e os estímulos necessários para auxiliar a reparação local”, comenta.
Ela afirma que quando a cartilagem é danificada por trauma, doença ou simplesmente reduz de tamanho com a idade, os ossos podem se esfregar uns nos outros, causando dor e inflamação. Enquanto tratamentos para a dor com medicamentos anti-inflamatórios oferecem apenas alívio dos sintomas a curto prazo e podem ser prejudiciais ao paciente a longo prazo – e até restritivos para pessoas com hipertensão ou diabetes –, o hidrogel bioabsorvível tem efeito terapêutico prolongado no alívio da dor e na melhoria da mobilidade, sendo eliminado lentamente pelo corpo enquanto ajuda no processo de recuperação.
“O material bioabsorvível, em contato com os líquidos corporais, irá liberar lentamente o óxido nítrico, a partir de moléculas doadoras que têm ação anti-inflamatória e sem efeito tóxico para o corpo”, explica Catori.
Efeito terapêutico prolongado
Em testes iniciais de bancada, que simulam as condições que o hidrogel encontraria no corpo humano, houve a liberação prolongada da molécula anti-inflamatória por pelo menos quatorze dias. Conforme Catori o material polimérico apresenta potencial para tratar a dor e estimular o reparo do tecido cartilaginoso em lesões articulares iniciais causadas por desgaste natural, associado ao envelhecimento, ou por impacto, como o que acontece em lesões geradas por acidentes ou atividades físicas com sobrecarga.
A tecnologia ainda precisa passar em vários testes até chegar ao mercado. O próximo estágio da pesquisa é conduzir experimentos pré-clínicos, antes de iniciar os testes clínicos em humanos. Como as universidades não produzem e comercializam produtos, o procedimento mais adequado, previsto pela Lei de Inovação, é o da transferência de tecnologia. Assim, para que o produto chegue ao mercado, o licenciamento da tecnologia é indispensável, permitindo o avanço no desenvolvimento da tecnologia, a realização dos testes e a produção em escala comercial.
Com informações do portal da Inova Unicamp*