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COTIDIANO

Desperdício desnecessário

Alimentos que poderiam tirar 795 milhões de pessoas que passam fome

O resto de comida que sobra do seu prato. A fruta e o legume que está “feio” e acaba estragando. São alguns casos que poderiam alimentar 795 milhões de pessoas que passam fome. Dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) mostram que a cada três quilos de alimentos produzidos no mundo, pelo menos um é jogado fora. Vão para o lixo 1,3 bilhão de toneladas de comida por ano.

A fome poderia ser reduzida caso restaurantes estivessem dispostos a doar alimentos que sobram, em perfeitas condições para o consumo. E também que o governo adotasse medidas necessárias para distribuir esses alimentos dos restaurantes para a população carente. O que ocorre é que a maioria dos restaurantes não se sentem resguardados para a doação.

De acordo com o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, não existe lei específica que proíba a doação de sobras em restaurantes, mas se o comerciante queira doar ele arca com as consequências, caso a pessoa em que recebeu a doação fique doente ou morre. Em razão disso, muitos comerciantes evita a doação com receio de ser penalizado ou até mesmo responder um processo.

Há também o desperdício de alimentos na cadeia de produção, consideradas perdas sem intenção, mas que por motivos de armazenamento e falta de tecnologia adequada pode colher frutas e verduras de forma incorreta e exposição ao calor ou vento. São consideradas também de acordo com a ONU, as perdas involuntárias por problemas na infraestrutura de transporte, desde estradas esburacadas até a precariedade de veículos utilizados para o escoamento da produção.

Banco de alimentos


Em Goiás, a Centrais de Abastecimento do Estado de Goiás (Ceasa-GO) arrecadou 125.295 quilos de alimentos para o Banco de Alimentos, durante o mês de novembro do ano passado. Dados da assessoria, informam que deste total foram distribuídos 98.216 quilos para entidades e famílias cadastradas junto ao Banco. Além disso, 17.826 kg de produtos para a alimentação de animais. Do volume arrecadado, 9.253 kg tornaram-se resíduos sólidos e foram descartados.

Em entrevista ao Diário da Manhã, Orlando Tokio Kumagai, diretor técnico e de gestão da Centrais de Abastecimento do Estado de Goiás aponta que para os produtos sem valor comercial, tem em conjunto com empresas, a operação pelo Banco de Alimentos. Assim, os produtos são coletados, selecionados e distribuídos para famílias carentes e entidades assistenciais. São atendidas 400 famílias e 100 entidades semanalmente pela Ceasa.

Ainda de acordo com o diretor Orlando, o volume mensal de dezembro foi de 125 toneladas e nos meses subsequentes em torno de 80 toneladas. “Além disto, dezenas de entidades buscam o mercado e recebem muitas doações, tais como: Mesa Brasil e Vila São Cottolengo, entre outras”, constata.

Orlando revela que em breve será concluída uma nova estrutura para abrigar o Banco de Alimentos, com recurso advindo do Ministério de Desenvolvimento Social e do Estado de Goiás, que ampliará este trabalho e junto levará ações de educação para melhor aproveitamento dos produtos excedentes da Ceasa.

Para Kumagai, os produtos comercializados na Ceasa tem várias classificações. “Temos produtos de alta qualidade, bem como aqueles de qualidade inferior. Cada um tem seu preço e assim são escoados e os varejistas, em função da localização de seus estabelecimentos fazem as aquisições, ofertando ora qualidade, ora preços menores, afinal de contas a zona de produção produz produtos de todos os padrões e tem que fazer sua comercialização”, ressalta.

Questionado sobre o aproveitamento de alimentos, Orlando acredita que não é uma legal mas, de conscientização da cadeia que opera com estes produtos. “Acredito que nunca faltarão entidades ou famílias que se interessem em buscar estes alimentos desde que disponibilizados. O ato de doar é muito mais exigido que o ato de vender. Quem vende entende que o destino do produto é decisão do comprador. Quem doa quer saber se a doação foi feita dentro dos compromissos apresentados pelo receptor”, expõe.

Orlando menciona que moramos num país de dimensões continentais, considerado como um dos celeiros de alimentos do mundo. No entanto, ainda restam parcelas da população de não acesso ao alimento básico. “Portanto, é importante que a cada dia, estejamos alertas e sensíveis para a redução de desperdício de todas as naturezas, bem como à redução da fome das pessoas e famílias na condição de insegurança alimentar”.

Pela Ceasa são enviados mensalmente ao aterro sanitário de Goiânia, em torno de 1000 toneladas. Destes, são resíduos sólidos orgânicos em torno de 90%. O diretor também relata que recentemente a Ceasa-Go elaborou Plano de Gestão Ambiental, submeteu-o a duas audiências públicas tendo como consequência a implantação da Coleta Seletiva e Unidade de Tratamento de Resíduos Sólidos Orgânicos. “Ou seja, os restos de frutas e verduras serão tratados aqui mesmo transformando em compostador ou adubo organomineral, deixando de contribuir para o esgotamento do aterro sanitário”, diz Orlando.


Bom Samaritano


Está em tramitação no Senado Federal desde 1997, o projeto de lei “Bom Samaritano”, de autoria do senador Lúcio Alcântara (PSDB-CE) pretende dar uma segurança para quem quer doar. A lei dispõe que a pessoa natural ou jurídica que doar alimentos, industrializados ou não, preparados ou não, a pessoas carentes, diretamente, ou por intermédio de entidades, associações ou fundações, sem fins lucrativos, é isenta de responsabilidade civil ou penal, resultante de dano ou morte ocasionados ao beneficiário, pelo consumo do bem doado, desde que não se caracterize dolo ou negligencia.

“As pessoas e as empresas têm receio de doar alimentos. Temem que sua solidariedade se transforme num pesadelo”, disse o senador cearense Lúcio Alcântara em entrevista concedida na época do início do projeto de lei. O projeto se aprovado evitará maiores dificuldades na doação, como isenção das indústrias do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) relativo à doação, incentivos a quem colaborar e desconto no Imposto de Renda para quem doar comida ou máquinas para industrializar alimento.

Diante da situação, muitos comerciantes preferem não arriscar em responder processos em caso de intoxicação da pessoa que recebeu a doação. Não há também incetivos para as empresas doar, pois devem pagar o imposto para realizar uma caridade.

Incentivo frutas feias


No Senado Federal transita Projeto de Lei que visa o combate ao desperdício de alimentos incentivando o consumo de frutas consideradas “feias”, muitas delas descartadas pela aparência. Essas frutas não perdem o valor nutricional e estão dentro das normas sanitárias vigentes. Projeto também determina que seja incluído na legislação o conceito de prazo de validade para consumo seguro dos alimentos, no caso é superior ao prazo de validade para venda.

Com a aprovação desse projeto, o Brasil entra na tendência que avança na Europa. Em 2016, a França foi o primeiro país da Europa a aprovar lei que proíbe os supermercados a jogarem alimentos não vendidos no lixo. Os estabelecimentos são obrigados a doar para uma organização não governamental ou para bancos de alimentos. Atualmente, a Itália está prestes a sancionar lei determinando que os alimentos que seriam desperdiçados nos supermercados, devem serem doados para pessoas necessitadas.

No Brasil, o projeto que tramita no Senado, de autoria do senador Jorge Viana (PT-AC) não se limita a propor medidas para quebrar a resistência dos consumidores a produtos in natura fora do padrão estabelecido pelo mercado. O projeto também quer aumentar a vida útil de alimentos processados e industrializados, além de inserir a data de consumo seguro nos produtos. Sendo assim, as empresas e indústrias ficariam obrigadas a informar no rótulo a diferença entre a validade para a venda e a validade do consumo seguro.

A relatora da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), senadora Ana Amélia (PP-RS) propõe a diminuição do preço de alimentos que fogem aos padrões de mercado e que podem ser descartados por produtores ou atacadistas. “Os produtos com aspecto imperfeito podem ser disponibilizados a menores preços, beneficiando, inclusive, pessoas que têm dificuldades para incorporar alimentos in natura em seus hábitos alimentares pelo seu alto custo”.

Países situação extrema


De acordo com relatório da Organização das Nações Unidas  para Alimentação e Agricultura (FAO), divulgado em março deste ano, atualmente existem 34 países que precisam de assistência externa para suprir as necessidades alimentares de suas populações. Em razão da produção agrícola desses países – incluindo 27 nações africanas – foi severamente afetada por secas, enchentes ou conflitos civis.

O relatório também cita que o Fenômeno El Niño deve provocar impacto negativo nas safras deste ano nos países do sul da África, até mesmo na Etiópia.  Entre as nações que precisam de apoio internacional estão Djibuti, Chade, República do Congo, Malauí, Mali, Níger, Mauritânia, Burkina Faso, Lesoto, Madagascar, entre outros. A expectativa é de que períodos de aridez, não necessariamente associados ao El Niño, também afetem o Marrocos e a Argélia.

Desperdício de comida desafia sociedade


Senado Federal

Números da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) também mostram que, além do drama social, o desperdício impõe à sociedade moderna um alto custo ambiental e econômico. A produção da comida descartada consome 250 quilômetros cúbicos de água e ocupa 1,4 bilhão de hectares, quase um terço de toda a terra cultivada do planeta.

O desperdício joga anualmente na atmosfera 3,3 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa, terceiro maior volume de emissões que provocam o aquecimento global, atrás apenas das emissões dos Estados Unidos e da China.

Os custos de tanto desperdício superam os US$ 750 bilhões a cada ano, estima a FAO. Inutilizar tamanho volume de investimentos e de recursos naturais é um contrassenso frente ao desafio mundial de alimentar uma população que deverá passar de 8 bilhões de habitantes nos próximos 15 anos.

Descarte nas cidades


A outra metade do desperdício é mais visível, pois é quando a produção chega às cidades e o descarte acontece nos armazéns atacadistas ou no varejo em supermercados, verdurões e feiras.

Nessas etapas, o lixo é o destino de boa parte dos produtos que não foram vendidos. Estão nesse grupo produtos saudáveis que foram danificados pelo manuseio inadequado dentro dos locais de venda.

É o caso também dos produtos fora dos padrões de mercado, como frutas muito pequenas, que têm alguma mancha ou mesmo um pequeno amassado. Sem valor de compra, mas em perfeitas condições nutricionais, poderiam ser doadas, mas acabam no lixo.

— O desperdício pode chegar a 40% [da produção]. No Brasil, são centenas de toneladas desperdiçadas só na parte final, no varejo de alimentos — lamenta o senador Jorge Viana (PT-AC), autor de projeto de lei para incentivar a doação de produtos em condição de consumo.

Aumentar as doações é essencial para programas como bancos de alimentos criados para distribuição a populações carentes. Essas iniciativas hoje contam com uma pequena fração do volume não comercializado por atacadistas e varejistas. A maior parte acaba descartada.

Também autor de projeto que trata do tema, o senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO) alerta para a urgência da aprovação de medidas que reduzam o desperdício.

— Temos no Brasil 26 milhões de toneladas de alimentos que vão a cada ano para o lixo. E sabemos que temos algo em torno de 7 milhões de pessoas que passam fome no país, das quais 3,4 milhões são crianças, que poderão ter comprometimento de seu aproveitamento escolar [pela subnutrição].

Menos que a metade!


Só 39% da produção agrícola vira comida no prato de alguém. O resto fica pelo caminho

15% perda na indústria

8% perda no transporte e no armazenamento

20% perda no plantio e na colheita

1% perda no varejo

17% perda com o consumidor

39%* chega a ser consumido

No lixo


De cada 100 caixas de produtos agrícolas plantados, só 39 são consumidas por alguém (representadas em cima da colher). Os grãos caídos na mesa representam os produtos que se perdem no processo

* As porcentagens se referem ao volume dos alimentos. Os números acima consideram produtos industrializados

Fonte: Sabetai Calderoni

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