A escritora Virginia Woolf burilou as palavras até construir voz narrativa feminista, com estética modernizante e fluxo de consciência tencionado, que foi sendo lapidado entre desequilíbrio, tragédias pessoais e abalos emocionais. Imperava-lhe a angústia, esse edifício de tristeza. Uma alma estraçalhada. Um suspiro inquieto. Adorável Virginia. Grande mulher. Como ela mesma quis, reformulou o romance e capturou as multidões fugidias.
Sua mente atormentada sentiu o sabor apetitoso da paz em 28 de março de 1941. Pegou dezenas de pedras, colocou-as no bolso e caminhou até o Rio Ouse. Chegando lá, escreveu um bilhete para o marido, Leonard Woolf, e se afogou nas águas. Aliás, foi nessa casa de campo localizada no sudoeste da Inglaterra que Virginia morara com o companheiro. Esse instante despertou na atriz Claudia Abreu o desejo de escrever e atuar em “Virginia”, monólogo encenado neste sábado, 1°, às 20h, na abertura do Sesc Aldeia das Artes.
Claudia tinha 18 anos quando começou a se relacionar com a literatura woolfiana. À época, atuava na peça “Orlando” (1989), dirigido por Bia Lessa e adaptado à linguagem dramática pelo escritor Sérgio Sant´Anna, falecido de covid-19 em 2020. Muito jovem, a atriz acha que não percebeu naquele momento a profundidade da obra, mas recorda-se que ficou com a impressão de que o texto da escritora era bastante moderno aos padrões de 1928.
“Era surpreendente o questionamento simbólico acerca das questões de gênero ali presentes, principalmente por se tratar da primeira metade do século 20”, escreve Claudia, em “Virginia - Um Inventário Íntimo”, livro publicado no ano passado pela editora Nós (R$ 50, 48 páginas). “O desejo de reviver sua existência no teatro se tornou um processo natural. Desde então, todos os caminhos me levaram a você, Virginia. Passei os últimos anos dedicada à tarefa de tentar fazer um recorte potente e amoroso de sua vida.”
Teatralidade
Há tributo prestado à teatralidade woolfiana: o espectador é levado de um lado a outro, o tempo cronológico entra em suspensão, passado mistura-se ao presente, que mistura-se ao futuro. E vozes habitam o pensamento de Virginia, evidenciada pela destreza com a qual Claudia se equilibra entre uma atuação capaz de engolir o palco e o abismo da dimensão humana vivido pela escritora nos seus últimos dias. Digno de ser aplaudida em pé.
Ao DM, a atriz conta que a vontade de reviver os derradeiros instantes da vida de Virginia Woolf ocorreu por ela se sentir arrebatada pela história da escritora e pela riqueza de sua literatura. “Os fluxos de consciência que fizeram com que Virginia modernizasse a literatura foram os mesmos fluxos que a atormentaram mentalmente e a fizeram achar que estava enlouquecendo de vez a ponto de cantar se matando”, pontua a atriz.
Ela está com vestido branco rasgado, expressão transfigurada ao rosto, as lembranças da vida estrilam num fluxo de consciência intenso. É característica marcante da obra woolfiana. Contar histórias desse tipo, sobre uma personagem como Virginia Woolf, é um desafio. Nova, perdeu a mãe e, com pai autoritário, restou à escritora o consolo da literatura. “As mulheres, durante séculos, serviram de espelho aos homens”, disse a escritora, que publicou “Mrs. Dalloway” e “O Quarto de Jacob”, dois romances essenciais do século 20.
“Escrever texto demandou muito trabalho”, diz atriz
Até hoje, Virginia Woolf é reconhecida como uma das principais autoras da literatura canônica ocidental. Pela sua prosa elegante e sensível, bem como pelo uso particular que fazia do discurso indireto livre e do fluxo de consciência, passou a ser admirada. Nas ações desenvolvidas pela escritora em suas narrativas, oscilava não só entre o que se desenvolvia dentro do personagem - seja na cabeça, nas emoções ou ideias dele - com aquilo que o cerca, mas mostrava a relação entre um e outro: aparece, não raro, temas próprios de seu tempo.
Na tese “O Diário de Tavistock: Virginia Woolf e a Busca pela Literatura”, defendida na USP, a crítica literária Ana Carolina Mesquita explica que Virginia era uma artista preocupada com a representação da interioridade subjetiva e os processos de construção da identidade. “Isso estabeleceu alguns motores que orientaram sua busca contínua pela possibilidade de representação, com suas diversas implicações artísticas, políticas e éticas”, analisa a pesquisadora, que assina prefácio de “Contos Completos”, editado pela 34.
Para Claudia Abreu, que é formada em Filosofia e pós-graduada em Artes Cênicas pela PUC-RJ, a chave disso tudo possui um nome: fluxo de consciência. A atriz afirma que, a partir desse ponto, pôde viajar em todas as mentes, por todas as fases da existência de Virginia Woolf. “E qual foi a minha surpresa? Você tinha revolucionado a literatura alternando os fluxos de consciência de forma brilhante”, reflete Claudia, em “Virginia - Um Inventário Íntimo”, cujo texto confessa ter sido difícil de escrever.
“Escrever o texto demandou muito trabalho, uma vez que não é somente escrever e sim ler bastante não só sua obra, mas também sobre sua vida. Descobrir um recorte próprio sobre uma pessoa tão complexa, com uma obra extraordinária não foi fácil. Optei pelo viés humano, que perpassa tudo”, emenda, acrescentando que interpretar todos os fluxos de consciência, alternar personagens num estalo e forma fluente também foi um desafio.
Sobre encontrar uma editora, diz Claudia Abreu, foi o menos difícil no processo de “Virginia”. “Li a peça para uma das editoras de Virgínia no Brasil para ter uma opinião de quem a conhece muito e ela que se ofereceu para editar a peça em livro. Foi uma grande alegria que a Simone Paulino, da editora Nós, me proporcionou”, revela Claudia, que se impressiona com Virginia Woolf por ter criado obra brilhante, apesar do que a vida lhe fez.
Virginia
Autora: Claudia Abreu
Direção: Amir Haddad
Quando: sábado, 1°
Horário: a partir das 20h
Classificação: 12 anos
Onde: Teatro Madre Esperança Garrido
Endereço: Av. Contorno, 241 - St. Central
Ingressos esgotados