O aumento do número de idosos na população brasileira vai ampliar a demanda por gastos com saúde no Orçamento Federal, enquanto a redução na quantidade de jovens tende a reduzir a pressão por recursos para a educação, estima o Tesouro Nacional.
O órgão técnico simulou o efeito da dinâmica populacional sobre a trajetória das despesas nessas duas áreas, considerando as projeções do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Até 2034, haverá uma demanda acumulada de R$ 67,2 bilhões adicionais na saúde, em valores de 2023. Já na educação, esse valor seria negativo em R$ 23 bilhões —o que não significa necessariamente um corte, mas sim a possibilidade de expansão menor desses gastos. O efeito líquido sobre o Orçamento seria de R$ 44,2 bilhões no período.
O exercício busca demonstrar o efeito do envelhecimento da população sobre um conjunto de despesas selecionadas, que somaram R$ 125,6 bilhões em 2023 e não representam o total aplicado nas duas áreas. Isso significa que o impacto é parcial e pode estar subestimado.
Os dados, porém, ilustram a pressão sobre duas áreas que estiveram na mira da equipe econômica em meio à discussão do pacote de contenção de gastos, apresentado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda). Os ministros Camilo Santana (Educação) e Nísia Trindade (Saúde) participaram das reuniões de negociação, o que gerou expectativa de mudanças, embora a alteração nos pisos tenha sido descartada.
O economista Arnaldo Lima, responsável pela área de relações institucionais da Polo Capital, ressalta que há hoje 16,2 idosos (acima de 65 anos) para cada 100 pessoas em idade ativa (entre 15 e 64 anos). Em 2046, essa relação chegará a 32,4, segundo as projeções do IBGE.
Em termos de contribuintes, existem hoje 6,2 pessoas disponíveis para sustentar cada pessoa idosa por meio de impostos e contribuições para a seguridade social. "Em 2048, teremos menos do que três pessoas, o que vai gerar sérios desafios para o financiamento da saúde", alerta.
O desafio se torna ainda maior se considerado o ponto de partida do Brasil, que gasta 4,5% do PIB (Produto Interno Bruto) em saúde, abaixo dos 7% do PIB na média da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
O diagnóstico de que o país demandará mais gastos com saúde tem motivado manifestações contrárias a cortes na área.
"Pior do que um erro, seria criminoso reduzir orçamentos federal, estaduais ou municipais com saúde que já não dão conta do recado. Acho que entendemos que o SUS [Sistema Único de Saúde] tem sido algo de maior importância para nós. E não é de hoje que o SUS é subfinanciado", disse o economista Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, em recente entrevista à jornalista Miriam Leitão na GloboNews.
Para Lima, uma possível solução seria unificar as regras de financiamento público para saúde e educação. A fusão dos pisos já foi proposta durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), mas não avançou e enfrenta críticas de especialistas em educação, que veem risco de os investimentos serem achatados pelas demandas crescentes na saúde.
O diretor-executivo do Todos Pela Educação, Olavo Nogueira Filho, diz que aprimoramentos são possíveis, mas a tendência demográfica não deveria motivar a redução dos gastos em educação no país.
"De fato estamos passando por essa mudança demográfica acelerada, mas isso é uma oportunidade para continuar crescendo o investimento per capita na educação", avalia. Segundo ele, embora a despesa total do Brasil em educação seja similar à média dos países da OCDE (4,4% do PIB), esse patamar foi atingido apenas recentemente, enquanto os demais já levam décadas investindo em nível mais elevado.
Além disso, o gasto por aluno no Brasil ainda é um terço do observado em países mais desenvolvidos. "Não se compra qualidade educacional à vista. É preciso manter um patamar alto de investimentos para alcançar resultados substanciais", diz Nogueira Filho.
Para ele, é possível flexibilizar o piso da educação para localidades que já atingiram patamares superiores de qualidade do ensino. Estados e municípios hoje precisam destinar 25% de sua receita líquida de impostos para gastos com ensino.
O pesquisador Camillo Bassi, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada), se debruçou sobre dados do Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica), abastecido por receitas de estados e municípios e por uma complementação paga pela União.
Em sua avaliação, a questão demográfica deveria ser levada em conta tanto no montante total do fundo quanto na destinação dos recursos (com ampliação de valores destinados ao ensino de jovens adultos), mas isso dificilmente ocorrerá no curto e médio prazo.
"O Fundeb é um vespeiro, porque é vislumbrado como mecanismo colaborativo de financiamento. Mesmo que a demografia seja uma variável inconteste, ela não será levada em conta pelo menos nos próximos dez anos", afirma.
Bassi elaborou uma nota técnica em que analisa os possíveis efeitos do aumento da fração da complementação da União ao Fundeb contabilizada no piso da educação (18% da receita líquida de impostos). Hoje, o percentual é de 30%. A ampliação chegou a ser cogitada pela equipe econômica, mas foi descartada.
Neste ano, embora a complementação some R$ 47 bilhões ao Fundeb, a União só pode contabilizar R$ 14,1 bilhões no piso, cujo cumprimento requer o desembolso de outros R$ 21,7 bilhões em despesas não obrigatórias.
As simulações mostram que incluir 60% da complementação no piso reduziria a necessidade das despesas discricionárias a R$ 7,6 bilhões —ou seja, um alívio de R$ 14,1 bilhões neste ano. Para 2025, a diferença seria de R$ 16,2 bilhões.
"Manter em 30% vai sobrecarregar cada vez mais a União", alerta Bassi. Por outro lado, ele reconhece que a ampliação do percentual enfrentaria a resistência de estados e municípios, pois abre caminho para o governo federal reduzir gastos com educação básica.
Por isso, o pesquisador sugere uma espécie de permuta, na qual parte da economia seja direcionada aos governos subnacionais, por meio de repasse maior aos fundos de participação ou ao programa de merenda escolar.