Com Washington Novaes, desaparece uma espécie rara de jornalista – competente, experiente, sonhador, proprietário de um enciclopédico conhecimento ambiental e antropológico. Do ofício de preencher as páginas gutenberguianas ao de filmar as agruras dos povos indígenas, passando – é claro – pela documentação da realidade a partir dos livros-reportagens, Novaes brilhou. Brilhou, não, com licença: ousou. Sim, ousou! Seja como editor. Seja como cidadão. Seja como ecologista. Seu legado ressoará e sua assertividade na denúncia daquilo que não remetia-se à sustentabilidade permanecerá.
Em toda sua carreira, sobretudo quando capitaneou no início da década de 1980 a reforma editorial do Diário da Manhã, foi assim. Presença seminal na imprensa brasileira nos últimos 50 anos, Novaes instituiu democraticamente no jornal conselhos editoriais que opinavam e discutiam pautas prioritárias. Editores, repórteres, redatores e diretores tinham voz e voto iguais, e eram respeitados pelo grupo vencido - não importava o cargo. A empreitada, todavia, durara pouco: Novaes assistiu o cerco fechar-se contra a publicação por um estrangulamento financeiro - assim como ocorreu com o Correio da Manhã, jornal que faliu na ditadura.
Como diria o poeta Maiakovski (1893-1930), a presença de Novaes na Redação da primeira geração do DM, que fazia o terceiro melhor jornal do Brasil – eleito pela Academia Brasileira de Letras (ABL) –, foi toda coração. A equipe, comandada por ele, contava com nomes de peso, como Jânio de Freitas e Reynaldo Jardim. Tanto que o Diário, não se furtava em dizer o jornalista, foi um reencontro consigo mesmo, com seus valores mais profundos e antigos. Aos longo desses 19 meses de Goiás, viveu, respirou e sonhou Diário da Manhã, sem tempo para mais nada, sequer para fazer amigos fora da labuta jornalística. Novaes, portanto, foi essencial na concepção de uma publicação ágil, elegante e plural.
Editor obstinado, exigente e criativo, ele lembrava com carinho dessa época: “Foi um jogo de esperança ver o jornal comprometer-se com tantas causas, principalmente as causas dos desvalidos. Ver o jornal liderar a luta na defesa dos invasores da fazenda Caveirinha, transformados em moradores da Vila Fim Social. Foi emocionante assistir a mudança daquelas 4.500 famílias que pela primeira vez conseguiram um chão para erguer seu teto”. O trecho foi escrito por Noves no artigo “O Direito de Não Mentir”, em dezembro de 1983 (ano em que deixou a edição-geral do DM) e faz parte da obra “Vozes da Democracia” (2006), publicada pela Imprensa Oficial de São Paulo.
Nascido em Vargem Grande (SP), Washington Novaes formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Mas foi no jornalismo que ele entrou uma razão para viver. Passou pelas Redações de O Estado de S. Paulo, Veja, Folha de S. Paulo e TV Globo, onde foi editor do Jornal Nacional e Globo Repórter, além de Bandeirantes e TV Cultura. Das publicações extintas que marcaram época, brilhou em Última Hora, de Samuel Wainer, e Visão, formando uma equipe para lá de genial com Zuenir Ventura e Vladimir Herzog. Preocupado com as causas indígenas e ambientais, lançou ainda os livros-reportagens “Xingu – Uma Flecha No Coração” (1985) e “Meio Ambiente no Século XXI” (2003), com apurações de fôlego indispensáveis - até hoje - nas faculdades de jornalismo.
Um dos trabalhos mais conhecidos do jornalista é a série “Xingu - A Terra Mágica” (1984), premiada em Cuba e na Coreia do Sul. Pioneiro em pagar direitos de imagens aos indígenas, Novaes produziu cenas que deslumbraram o País, com uma edição poética e sensível. Em dois meses de gravação, desbravou costumes das sociedades originárias e ajudou a criar celebridades internacionais, como o cacique Raoni. Mais de duas décadas depois, retornou ao local e filmou personagens que havia encontrado antes para o documentário “Xingu, a Terra Ameaçada”. Novaes morreu na terça-feira (25), aos 86 anos, em decorrência de câncer no intestino. Ele estava internado em Aparecida de Goiânia.
Admiração
A jornalista Rosângela Aguiar afirma que Washington Novaes teve papel importante desde o início de sua carreira, quando ainda era estudante na PUC-RJ e ele foi convidado a ser paraninfo de sua turma. “A formatura foi em 21 de janeiro de 1988 e neste período ele estava fora do País e mandou para cada formando uma reportagem sobre jornalismo e uma carta. Para mim, mandou uma carta especial, pois eu era representante da turma, falando sobre ética, sobre jornalismo enquanto instrumento social, falando de um jornalismo que a gente vê um pouco esquecido na grande mídia em função do poder econômico, em função da internet”, recorda-se.
Nos anos em que ela comandou o programa dominical Trilhas do Brasil, exibido na TV Serra Dourada, Novaes tornou-se uma rica fonte de informação, de todas as questões que envolviam meio ambiente, em especial o Cerrado. “A visão dele do jornalismo, a visão dele do meio ambiente, de como fazer jornalismo ambiental, toda vez que eu entrevistava ele eu aprendia alguma coisa e Washington sempre nos incentivou em relação ao programa. Eu cheguei a trabalhar com ele”.
No final dos anos 80, quando veio para Goiânia, Rosângela lembra que existia um núcleo de reportagens especiais na TBC cujo foco era pautas ambientais. “Ele era rígido. E eu recém formada, me iniciando na televisão, isso lá em 89, levava broncas horrorosas. Foram broncas que me ensinaram a melhorar meu texto, a melhorar minha postura diante da câmera, aprendi a como pegar um bom depoimento, como se fazia uma reportagem especial no nível que ele fazia – que era, na verdade, pequenos documentários”, diz.