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Mais uma dose?

Tim-tim: mais uma dose? É claro que eu tô a fim. A noite nunca tem fim...

Os versos, marcados pela voz de Cazuza, foram compostos pelo vocalista, Frejat e Ezequiel Neves e fazem parte de “Maior Abandonado” (1984), terceiro LP do Barão Vermelho. Quase quatro décadas depois, a faixa “Por Que A Gente É Assim” continua um hino da permanente busca pelo universal prazer etílico, sei lá, coisa de gente que enche a cara até ser expulso pelo garçom com a vassoura em punho varrendo o chão.

Bar se gasta como um all star Chuck Taylor, ou seja, depois de certo tempo é preciso se desfazer dele para comprar um novo e mudar. É necessário ser detalhista na hora de escolhê-lo, pois mais desagradável que frequentar um bar mal frequentado é tomar um bar errado. Paulo Mendes Campos, o grande bebum da crônica brasileira, já alertara: “o homem que toma o bar errado pode gerar sérios aborrecimentos ou ser vítima deles.”

Se o cara falou, está falado. E vou além, como não podia ser diferente na ressaca, ufa!, pandêmica: até a religiosa prática do etilismo impediu que nós, bêbados, acendêssemos cigarros molhados de chuva até os ossos. Ninguém nos pediu fogo, os nossos camaradas estavam isolados e seguimos na chuva, com a mão no bolso – e, claro, na companhia dos mestres João Bosco e Aldir Blanc e a “Vida Noturna” dos dois no som.

Foi, de certo modo, o que nos manteve em pé, ao mesmo tempo que bares como a Casa Liberté, um sopro de esperança na desgastada cena cultural da capital goianiense, fechavam as portas. Tornou-se inviável suportar a lentidão na campanha de vacinação contra a covid-19, a falta de grana – como levantá-la sem público? – e o ímpeto de destruição de tudo aquilo que um dia proporcionou gargalhada, prazer e diversão.

Trabalhadores da boemia, uni-vos! Pois os bares nascem, vivem, nos enganam com sua eternidade volúvel e, de uma hora para outra, como se fossem um chope bebido na madrugada, morrem. Morrem nas quartas-feiras, como escreveu Mendes Campos, um dos mais melancólicos bebedores de uísque da prosa em língua portuguesa – ele e Antonio Maria, vixe, formam uma dupla de pugilistas do copo peso-pesado.

No Criméia Leste, por exemplo, abaixou as portas o tradicional Buteco do Afonso. Difícil sair do vermelho, Afonso passou a atender sua clientela no quintal de casa, mas sem as mesas de sinuca ou os televisores que faziam os torcedores irem do êxtase da vitória ludopédica à fossa da derrota: tudo, num piscar de olhos, ficou sem graça.

Ainda bem, durou pouco. Hoje, com a segunda dose da vacina já avançada entre a terceira idade, é possível retornar aos poucos à boemia. Se durante o período mais crítico do coronavírus nossos bares favoritos abaixaram as portas, já podemos dizer que novas iniciativas surgem em Goiânia, mostrando que o mundo etílico pós-pandemia reservará momentos de celebração à vida. É nessa esteira que aparece o Zé Latinhas, na Rua do Lazer, a 8, a nova Liberté, em frente, e um beco, nas proximidades.

Centro

O Centro deve nos anos seguintes espantar qualquer impulso de turismo religioso. Mais abaixo, quase na divisa com o Setor Aeroporto, o público mais afeito à contracultura, rock and roll, preço em conta pode colar na Confraria Bar: é garantia de boas histórias e, óbvio, a música por lá rola madrugada a dentro, o que em se tratando de Goiânia, cidade cujos bares abaixam as portas relativamente cedo, é o brinde noturno que faltava.

Fora do lado underground da noite goianiense, existem zilhões de alternativas, algumas das quais já bem conhecidas do público. Uma delas, vencedora do Comida di Buteco, é o Bar do Chicão. O estabelecimento abocanhou a láurea, que tem como parceria a TV Anhanguera, por causa do petista Casa Raiz, avaliado pelo público que visitou o local. Para quem gosta ainda de bares midiáticos, tem o Camargo Chopp, segundo lugar com Musseline no Pão Italiano, assim como Bistrô Chica Doida.

É, não defendo o alcoolismo. Não me interessa o uísque, a vodca, o conhaque, o rum, e sim o ser humano, esta pobre criatura que conviveu com a morte iminente durante dois anos. E ainda, é verdade, esse sentimento não arrefeceu. Mas como não suportar a dor de assistir ao espetáculo de uma sociedade estruturada para fazer valer a ética de triturar as classes de baixo para transformar tudo em matéria-prima?

Uma vez passada a porta do bar, o sujeito começa a agir com toda inocência do universo, esquecendo do sofrimento que lhe atinge e tentando cumprir a vocação para a diversão. A história de uma cidade, desconfio, é retratada a partir dos bares: ali existem histórias, lendas, hábitos e costumes que não devem dar lugar para impulsos gananciosos, como ocorreu em São Paulo na Mercearia São Pedro - ponto de escritores, poetas, jornalistas e vagabas em geral.

Se eu quero mais uma dose? É claro que eu tô a fim...

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