Sua mãe lhe ensinou as canções que vinham do rádio: Orlando Silva, Ângela Maria e Dalva de Oliveira não saiam das ondas da Rádio Nacional. Mas ele se identificou mesmo foi com Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga. Era uma geografia e um sotaque com os quais tinha muito em comum. E veio, então, os Beatles e seus acordes perfeitos, o que, segundo Djavan, tinha sido deixado de lado pela turma de João Gilberto. Caetano e Gil mudaram tudo. Milton temperou a MPB com o sabor do jazz. Como passar despercebido por isso tudo?
Djavan é um dos artistas mais notórios da música brasileira. Creio que não seja necessário perder tempo tecendo loas sobre a grandeza de sua obra. Ao ouvir “Beleza Destruída”, dueto com Milton Nascimento, percebe-se os motivos que levaram o cantor e compositor alagoano a ser reconhecido como um mestre. A canção é calcada numa sequência harmônica que recebeu bem a voz de Milton e, na letra, há um universo que representa os dois, como a natureza, ou melhor, a preservação dela, dos indígenas e dos povos da floresta.
Aos 73 anos, Djavan não para. Melhor, não quer parar. Quer fazer música e quer nos tirar do breu autoritário em que nos metemos. E “D”, título do vigésimo quinto disco da carreira, funciona à perfeição. Pensando naquilo que o eu-lírico sonha e anuncia na faixa “Num Mundo de Paz”, primeiro single e clipe do trabalho, lançado em 30 de junho último, é preciso lembrar das “noites de verão/ De mãos dadas por aí/ Retomar o que era bom/ Mas se não quiser sair/ Deixar que o vento leve/ E o amor/ Se encarregue de tudo”.
É coisa de quem comemora bodas de prata e, como não poderia deixar de ser, imagina um futuro melhor. Sua voz e melodias ainda são o maior triunfo que têm. Djavan quer ter seu pensamento decifrado em canções. Mestre da música brasileira, ele poderia ter pendurado a chuteira, optado pelo sossego da glória já conquistada ou, pior ainda, subido ao palco para cantar covers de seus próprios sucessos, entrando vez ou outra no estúdio para preparar discos comemorativos. Mas quem disse que o cara responsável por cantar “Se…” quer isso?
Em vez disso, mesmo com os críticos encaducados afirmando lá no começo que as metáforas djavanianas eram desprovidas de sentido, o músico caiu nas graças do público mais jovem. Estará no line-up do Rock In Rio e Coala. Djavan, que aos 11 anos exibia talento com a bola nos pés, marcou golaço ao combinar gêneros sul-americanos, europeus e africanos. Nos discos “So Bashiya Ba Hlala Ekhaya” (1986) e “Andaluz” (1992) faz referências a uma Europa moura, além de rebuscadas figuras de linguagem, a exemplo de “branca é a tez da manhã”.
O elo com todas as cores, digo, todos os sons tinham suas pontas unidas à música de Miles Davis, John Coltrane e a negritude vocal de Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan e Billie Holiday, com a tradição brasileira de Tom Jobim e Noel Rosa, das escolas de samba, do samba-canção. Foi acertada a escolha de o artista largar os gramados de futebol para fazer música e, mal sabia ele, criaria - pouco tempo depois - um violão singular, uma letra ainda hoje desafiadora e um canto que arrancaria aplausos nos palcos gringos.
Seja com tudo isso na bagagem ou não, “D” pode levar um ouvido menos sensível a reforçar a tese segundo a qual Djavan se recicla em si mesmo. A fórmula escolhida para conduzir o disco de fato mostra o funk suave que lhe caracteriza, que foi responsável pela explosão de seus singles nas rádios e que também o torna, hoje em dia, um artista popular. Mas é só estar atento, dispensar essa primeira impressão e mergulhar na alma do disco: versos como “você só quer um rala comigo/ e até que é ruim eu não digo/ mas também não é tudo de bom”.
Mas “D” vai além desse Djavan: “Beleza Destruída”, “Ao Menos Um Porto”, “Rídiculo”, “Você Pode Ser Atriz”, “Êh, êh” e “Iluminado” são canções que revelam um artista em sintonia com o prazer da criação. Ele canta com filhos, netos e, aos 73 anos, continua em busca de novos públicos, vendo seus discos se tornarem populares entre os mais jovens. Afinal de contas, Djavan sabe que o canto ajuda a espantar o breu em que o País está metido desde 2018. Por isso, sua música embala a esperança de um mundo melhor, em que há espaço para poesia, para os sonhos e para o amor.