Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Foram estes os gritos de séculos atrás quando se buscava um fim ou melhor, um novo começo as diversas formas de admoestações que a vida em comunidade havia trazido junto seu desenvolvimento. Pois bem, alcançamos esse novo começo, saímos as ruas com cartazes, queimamos sutiãs em praça pública, derrubamos muros, tudo isso para que pudéssemos num futuro não tão próximo, mas que viria a aparecer, garantir um estado onde a vida não fosse banalizada e a condição de cada indivíduo se fizesse tão importante que sua violação significasse uma afronta a condição humana.
Essa participação ativa do eu individual e ao mesmo tempo coletiva na batalha contra as opressões serviram de marco para uma noção clara acerca da força popular, do poder de decisão e principalmente do que mais tarde seria conhecido como democracia. A presença do cidadão que neste momento era reconhecido como tal fazia-se latente nas decisões que cada nação tomava, era essa participação visível e inseparável entre povo e governo que tornara a palavra democracia de fato significativa. Tudo isso serviu não só para ditar o papel do Estado e sua subordinação ao povo, mas também mostrou-se essencial para a construção da base constitucional de cada nação, onde as restrições bem como as formas de proteção e enaltecimento do tratamento ao ser humano tornaram-se clarividentes e é claro, passíveis de sanções caso fossem desrespeitadas, ou seja, os movimentos sociais movidos pela insatisfação de cada indivíduo serviram não somente como forma de limitação ao gigante Leviatã aparentemente soberano, mas também foram fontes inspiradoras da promoção, proteção e cumprimento da igualdade entre os homens, numa escala não só do âmbito público, mas também privada ao ditar as formas consensualmente consideradas dignas de tratamento do ser humano.
Torna-se aqui absolutamente irrelevante discutir acerca dessa inquestionável participação popular na conquista dos direitos hoje gozados por nós, contudo é justamente sobre essa inquestionável participação que me atento. Os efeitos trazidos por essas conquistas não se limitam apenas no gozo, nossa igualdade e liberdade ganharam outras aparências e significados e com isso alteramos o foco de nossos esforços ou lutas para uma ação bem mais apática, ociosa.
A democracia trouxe consigo uma nova forma de ação popular, desta vez um pouco menos barulhenta, sem grandes movimentos (sem me referir ao Brasil nos últimos anos) onde a possibilidade de representatividade bem como a escolha de quem a fará, e não retiro a importância desta, trouxe ao cidadão um certo comodismo, uma falsa sensação de que não há necessidade ou motivos para lutas e de que podemos sempre cobrar de nossos representantes essa função, fez com que nos tornássemos “sedentários políticos”. A ação ativa e latente antes viva, hoje parece estar distante, silenciosa, talvez com exceção de grupos específicos formados por minorias que servem de prova viva na tentativa de mostrar que obviamente ainda há motivos para sairmos todos as ruas, de que não alcançamos a perfeição na democracia e de que os movimentos sociais bem como os resultados destes deixados por nossos antepassados ainda carecem de manutenção. Por outro lado, essa ação tão invejável de participação por parte de militantes e que de certa forma pode ser comparada a já esquecida forma participativa de um cidadão grego se desenvolve de uma forma antagônica. Nesses casos específicos a participação bem como os interesses levantados, dizem respeito a grupos da mesma forma específicos e que por sua vez estão lutando por interesses do próprio grupo, seja pelo reconhecimento, seja pela criação de legislações ou formas de legitimação ou mesmo pela visibilidade, mas que de certa forma acabam por restringir esse animus a uma parcela da sociedade que se interesse por elas e não numa escala que compreenda toda a sociedade de forma a garantir a essa participação não só uma verdade ou plausibilidade de ações e lutas, mas homogeneidade a mesma.
Os resultados da modernidade não se restringem apenas as diversas formas de direitos reconhecidos e tantos outros criados de forma até serem divididos por gerações, mas na mesma proporção a um distanciamento por parte dos autores desses mesmos direitos. Se num passado nem tão distante a conquista por esses direitos mostravam-se distantes e até mesmo utópicos, a contemporaneidade parece estar se encarregando de torna-los mais uma vez distantes e sem querer ser pessimista, com grandes riscos de extinção. O risco maior talvez se concentre nesse distanciamento extremo e que consequentemente deposita todo e qualquer empenho nas entidades ou nos mecanismos de mercado promovendo mais uma vez essa conversão participativa entre autor e ator social.
A democracia deve assim como a sociedade renovar-se a cada dia, incorporando-se as ações e convicções diárias de modo que se faça forte a cada nascer do sol e não que se intimide diante de discursos camuflados onde a exaltação do próprio eu se faça superior ou mais urgente do que o outro. Da mesma forma a sociedade deve incorporar para si uma tarefa que de fato não é simples e jamais será, a consciência de que a democracia, a liberdade e todos os demais direitos hoje considerados inalienáveis fazem parte de um complexo processo muitas vezes visto como insustentável já que realizam uma importante limitação estatal e que consequentemente sofrem constantes ataques. Dessa forma não se trata apenas de se reconhecer seu valor, mas ainda mais importante de se persistir por sua existência.
Se nossos antepassados puderam fazer tanto, mesmo com as limitações que a época os impunha, a contemporaneidade possui armas suficientes capazes não só de garantir a existência destes, mas de estendê-los de forma tão gritante que possam ser audíveis mesmo nos mais inóspitos cantos da terra. Para isso a nítida compreensão da participação política e social se faz necessária, de forma que confiemos muito mais nos autores desse processo do que nos meros atores muitas vezes distantes dele. Que tenhamos sim consideração pela lei que nos regula visto que ela é nossa salvaguarda, mas que a confiança no dever não se perca e que atrocidades antes praticadas em nome de ideologias não ganham incentivo, afinal no futuro não serão as leis que nos salvarão de nós mesmos.
(Saymonn Caetano Ferreira, bacharel em Direito e graduando de Filosofia-UFG)