Quincy Jones, o midas da música pop no século 20, morreu na Califórnia, Estados Unidos, aos 91 anos. Ele estava cercado de amigos. A informação foi confirmada pelo seu agente, Arnold Robinson, que não mencionara por qual motivo Jones faleceu no último domingo, 3.
Trompetista de jazz habilidoso e requisitado arranjador, tocou nas big bands do pianista Count Basie. Foi também reconhecido compositor de trilha sonora para o cinema, com as quais vencera dois Oscars. Todavia, transformou-se em lenda como produtor musical.
Fez nada menos que o disco mais vendido de todos os tempos. Lançado em 1982, o clássico “Thriller” traz nove músicas. Sete fizeram sucesso, pelo menos. Nelas, como se fosse o escolhido para trazer boa música ao mundo, Jones fundiu pop, rock e rhythm and blues.
Tal obra ressoou mundo afora, com ecos audíveis no disco “Fullgás”, obra-prima da cantora Marina Lima, e em toda discografia construída por Fernanda Abreu. Quer dizer, o célebre produtor teve participação decisiva em elepê ainda hoje ouvido (aos montes) aqui e lá fora.
Nascido em Chicago no ano de 1933, Jones teve aula com o trompetista Clark Terry. Aos 14 anos, cada vez mais apaixonado por música, conheceu o então adolescente Ray Charles (era chamado, à época, de RC Robinson), dois anos mais velho, e logo ficaram próximos. Em seguida, deixou o jazzista Lionel Hampton maluco quando lhe mostrara nova composição.
Detalhe: tinha apenas 15 anos. Daí, você pensa, só havia um destino, meio óbvio até, que era ser convidado para ingressar na banda de Hampton. No dia seguinte, contudo, foi dispensado por Gladys, esposa e empresária do jazzista. Lugar de menino é na escola, não?
Talvez, para Jones, a resposta fosse relativa. Em 1948, ainda de calça curta, já era visto na noite de Seattle fazendo backing vocal para Billie Holiday. Quando chegara a Nova York, subiu ao palco com seu trompete para adicionar brilho à música de Elvis Presley, em programas televisivos nos quais conhecera estrelas cadentes do movimento bebop.
Ali, impressionando a todos com sagacidade musical e invenções instrumentais, foi apresentado a Charlie “Bird” Parker e Miles Davis, a quem dirigiria anos depois, em 1991, na última apresentação desse lendário artista — e, veja bem, dois meses antes de sua morte.
Graduado no high school (ensino médio estadunidense), em Seattle, matriculou-se numa universidade dessa cinzenta cidade localizada ao noroeste dos EUA. Em 1951, Hampton lhe chamou de novo para juntar-se à banda como trompetista e arranjador. Agora, sem nenhuma intercorrência escolar, nada o impediria de brilhar: “Kingfish” esbanja charme.
Conforme o crítico musical Ben Ratliff, essa primeira composição creditada ao jovem prodígio soava bem e, não bastasse, acentuava “habilidades sobrenaturais de organização”. Quincy Jones, por sua vez, afirmaria anos depois que música lhe era única coisa controlável na vida. “Era o único mundo que me oferecia liberdade”, escreveu, em autobiografia.
“Era o único mundo que me oferecia liberdade”, Quincy Jones, produtor
Entre anos 1950 e 1960, Jones formou suas próprias bandas. Requisitado, arranjou gravações como “The Swingin' Miss 'D'”, lançada em 1957 pela diva Dinah Washington. Ainda esteve em estúdio durante “Meet Betty Carter and Ray Bryant”, de 1955, cantada por Betty Carter, e “Genius + Soul = Jazz” (1961), consagrada pelo mestre Ray Charles.
Em 1958, Jones assinou contrato com a gravadora Mercury Records. Para fazer “The Birth of a Band!” e “The Great Wide World of Quincy Jones”, ambos publicados em 1959, montou big band que incluía jazzistas de primeira divisão. Na Mercury, tão logo assumiu o cargo de diretor musical, escalou seu timaço: Dizzy Gillespie, Gerry Mulligan e Shirley Horn.
Também colaborou com Frank Sinatra em “Sinatra At the Sands”, disco ao vivo lançado em 1966. É obra fundamental para a música dos anos 1960, pois traz arranjos de Jones e é executada pela orquestra de Count Basie. Nessa década, revelou paixão pela bossa nova, ao gravar “Soul Bossa Nova” após voltar de turnê em território brasileiro com Dizzy Gillespie.
Jones viajou pela Europa com orquestras de jazz, porém observou que fama e talento não geravam retorno financeiro esperado. Pagou a dívida trabalhando — e pacas, reconheça-se — como produtor e arranjador das divas do gogó Ella Fitzgerald e Sarah Vaughan.
Sucesso pop
Homem de gravadora, conseguiu o primeiro sucesso pop com a cantora Lesley Gore. “Ela tinha uma voz suave e distinta e cantava afinada, o que muitos cantores adultos de rock 'n' roll não conseguiam fazer, então eu a contratei”, lembrava. Jones era, inclusive, o primeiro vice-presidente negro de gravadora comandada por brancos no país da segredação racial.
Se fora o primeiro afro-americano a ganhar um Oscar, em 1968, também reinou absoluto no Grammy — pois o recebera 28 vezes. Na virada para os anos 1970, direcionou-se para jazz-funk, tal qual no álbum “Walking in Space”, de 1969. Depois desse trabalho, optou por um tipo de funk e R&B mais, digamos, vendável. E “Body Heat” lhe valeu um gramofone.
Por muito pouco, um aneurisma cerebral não o matou em 1974. À época, o músico trabalhava no disco “Mellow Madness”, obra que seria continuação de “Body Heat”. Os amigos, tremendo que o pior lhe acontecesse, mobilizaram-se para organizar concerto em memória ao arranjador no Shrine Auditorium, em Los Angeles. Cannonball Adderley, Sarah Vaughan e Ray Charles se apresentaram no evento. Jones, desde então, não tocava trompete.
Produtor eternizado, mente por trás de “We Are The World”, dono de gravadora, fundador de revista focada em hip hop e produtor da série televisiva “The Fresh Prince Bel-Air (“Um Maluco do Pedaço”, em tradução), Jones foi casado três vezes e teve sete filhos. Apoiava Martin Luther King e causas humanitárias na África. Amigo de Quincy Jones desde 1967, Milton Nascimento lamentou morte do lendário produtor, arranjador e músico.
“Quincy foi um grande admirador e disseminador da música brasileira pelo mundo, e produziu muitos dos discos mais emblemáticos e importantes da história da indústria musical. Há um tempo, ele me ligou por videochamada, e matamos um pouco da saudade, que, agora, será eterna. Descanse em paz, querido irmão”, disse Milton, que creditou o produtor na faixa “Morro Velho”, do disco “Yauaretê”, de 1987, sob supervisão de Jones.
Por sua vez, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, disse que Jones era “um dos maiores ícones da música". Lembrou de sua ligação com a canção popular brasileira. “Sua obra influenciou e inspirou muita gente! Meus sentimentos à família e amigos”, escreveu. Quincy Jones desfilou pela Portela no Carnaval de 2006 e co-produziu “A Cor Púrpura”.