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OPINIÃO

Imprensa independente

Ao refletir sobre as condições do Estado nas monarquias absolutistas, Montesquieu teorizou que o centro de decisões não deveria se concentrar nas mãos de um único indivíduo, mas ser dividido em três poderes independentes – ainda que complementares. Esse modelo dividiu o Estado em Executivo, Legislativo e Judiciário. Cada um possui atribuições específicas e a capacidade de fiscalizar as atividades do outro. Um sistema de pesos e contrapesos.

O modelo de democracia representativa, que vigora no Brasil, acrescenta outro pilar: a alternância de governo. Trata-se a possibilidade soberana do povo de trocar os governantes com os quais estão insatisfeitos ou de evitar a tentação de permanência perene de um único grupo político. Por isso mesmo, o processo eleitoral é fundamental, necessário e obrigatório. A derrota nas urnas pode fazer um candidato crescer e se tornar um agente político melhor. Não se pode suprimir ou abdicar de direitos fundamentais, entre os quais a informação é valor constitucional pétreo.

Não há democracia madura sem instituições sólidas. Trata-se de uma bobagem elevar a imprensa à condição de “quarto poder”. Não o é. A imprensa – mais especificamente a atividade jornalística – não é parte inerente da divisão dos poderes que caracteriza uma democracia representativa. A imprensa não é – nem pode ser – parte do Estado. É ferramenta da sociedade civil, assegurada pela liberdade de expressão e de jornalismo.

A imprensa oficial, aquela que emana do Estado, tem única e exclusiva função: divulgar os atos públicos com transparência. É fundamento da administração pública, que não admite a discricionariedade. Mas não se limita ao Diário Oficial, aos sites de transparência, à prestação pública de contas e aos órgãos de comunicação do governo.

Os atos da administração pública também devem ser divulgados na imprensa civil. A Lei de Acesso à Informação ainda é recente. Aos poucos, tem se consolidado um modelo de transparência dos atos públicos que permite à população e à imprensa fiscalizarem sem maiores embaraços os entes estatais. Há uma evidente mudança na percepção coletiva sobre os papéis do Estado. Quanto mais vigilante a população, mais maduro é o sistema democrático.

Com a proliferação das redes sociais, a informação dissemina-se de maneira difusa e enviesada. Os jornalistas nunca foram tão importantes. O cidadão nem sempre possui os métodos e os meios para verificar a veracidade do que é divulgado. Cabe à imprensa separar a verdade do boato. Nunca foi tão relevante a atuação do jornalismo investigativo, que aborda um assunto com profundidade. A opinião qualificada soma-se ao árduo trabalho de reportagem para oferecer à sociedade informações consistentes.

A imprensa precisa ser autônoma. As redes sociais aproximaram as pessoas, mas criaram um ambiente virtual onde é relativamente difícil distinguir a verdade. Hoje é possível dialogar com qualquer pessoa e em qualquer local, mas não desenvolvemos maneira mais produtiva de uso do espaço virtual. Ainda não sabemos o que fazer com tanta informação. O que realmente importa acaba sendo diluído no processo.

A divisão dos poderes, realizada por Montesquieu, verdade seja dita, é anterior à evolução da imprensa como epicentro de divulgação de valores republicanos com, pelo menos, meio século de diferença. O desenvolvimento histórico do jornalismo se deu nas mãos da iniciativa privada. O espírito empreendedor, quase artesanal, que permeia a produção de notícias não pode, em momento algum, ser confundido com atividade de Estado. Jornalismo estatal deixa de ser jornalismo.

Esse “empreendedorismo” é indicativo da relevância que a livre informação, com possibilidade de contraditório, possui para a sociedade civil. A imprensa fiscaliza todos os três poderes, sem exceção, e por isso mesmo não se pode curvar ao Estado. Mesmo em uma democracia consolidada, com instituições maduras, há sempre o receio do gestor interferir nas informações veiculadas. Jornalismo é atividade civil por excelência; não é atribuição estatal.

O Estado deve, sim, assegurar o livre exercício do jornalismo sem ingerência política ou intervenção econômica. As redações precisam manter o modelo Igreja/Estado – no qual o departamento comercial não interfere na redação. Controle social da mídia é uma agressão aos valores caros à democracia. A criação de conselhos de comunicação social, produção de “programas educativos” e a instituição de critérios para a divulgação de programas ou textos escondem a censura da livre informação. Precisamos, sim, de jornalistas dedicados, valorizados e comprometidos com a sociedade – acima de tudo, independentes do Estado, seja qual esfera for.

(Victor Hugo Lopes, jornalista)

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