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OAB Goiás obtém conquista histórica para advocacia dativa

Nos seus 32 anos de profissão, Gilberto Pereira da Silva, 58, dedicou 10 deles à advocacia dativa, entre 1999 a 2009, nas comarcas de Ceres e Rialma. Era quase que um sacerdócio em favor dos jurisdicionados desassistidos daqueles municípios do Vale do São Patrício. Muitas vezes resignou-se com o sentimento de que seu trabalho seria de fato voluntário, filantrópico, levando em consideração a inaceitável demora em receber. Hoje, porém, esse sentimento é outro: de satisfação, de reconhecimento. Gilberto é um dos 866 advogados dativos que já receberam, ao todo ou em parcelas, os seus honorários dativos.

A dívida do Estado de Goiás com a advocacia dativa faria neste 2017 nada menos do que 10 anos. Faria... Uma inédita, ousada e bem-sucedida articulação da Ordem dos Advogados do Brasil – seção Goiás (OAB-GO), encabeçada pelo seu presidente, Lúcio Flávio de Paiva, e da Secretaria Estadual de Governo (Segov) resultou na solução definitiva para o problema. Em 29 de dezembro último, dativos com processos de 2007 e 2008 começaram a receber seus honorários. Os pagamentos relativos aos anos de 2009 e 2010, além dos prioritários (deficientes, com doença grave e idosos) de 2011 e 2012, se iniciaram na sexta-feira, 6 de janeiro. Recentemente, em ofício encaminhado à OAB-GO, a Segov informou o início do pagamento de 2.390 processos.

Doutor Gilberto viu cair na sua conta bancária R$ 4.055, referentes à diferença entre 62 Unidades de Advocacia Dativa (UHD), R$ 4.960, e os descontos da Previdência Social e do Imposto de Renda. Honorários de processos em que atuou no ano de 2007. Não é a totalidade do que tem direito, já que a lei limita os pagamentos às tais 62 UHDs por mês. Mas ele não reclama. Ao contrário, elogia o espírito distributivo da legislação: “Ressalte-se que a limitação de 62 UHDs veio para trazer mais justiça e isonomia; os que têm um grande volume a receber terão menos, mas um maior volume de advogados será atendido”.

Joara Roberta de Brito, 53 anos, 30 de advocacia, atua em Aparecida de Goiânia e afirma ter cerca de 50 processos a receber desde 2007. Ela dedica metade de seu tempo à advocacia dativa. No dia 29 de dezembro, ela recebeu R$ 4.050,46. Ela tem uma dúvida comum: o critério de pagamento. “São dois, ordem cronológica e casos prioritários”, explica Tayrone Di Martino, secretário de Governo. “O critério é o que diz a lei. Não há como ser diferente”.

José Donizete Moreno, 48 anos, dedica-se exclusivamente à advocacia dativa. Ele queixa-se de que sempre sofreu com o atraso no pagamento: “Como tenho um fluxo muito grande de processos, mais de mil desde 1996, os atrasos acabaram gerando uma dívida de mais de R$ 50 mil. Estou sobrevivendo de favor”, desabafa. Moreno afirma que sua situação se agravou há um ano e oito meses, quando, para continuar o trabalho, chegou a pedir emprestadas resmas de papel e tinta para fazer impressão de processos. “Sempre pagava a OAB em dia, com desconto, e agora estou com a anuidade atrasada. Também não consegui pagar o plano de saúde”, queixa-se.

Pois a perspectiva de Moreno melhorou bastante. Em 29 de dezembro, ele recebeu R$ 4.050,46, quase 10% de sua dívida. Pela lei, ele tem direito a receber todo mês um valor semelhante (correspondentes a 62UHDs menos INSS e IR). Esta é a programação da Segov, que para começar os pagamentos, contou com um aporte do Tesouro Estadual de R$ 6,3 milhões. Neste janeiro estão prometidos outros R$ 3,7 milhões. Somados, são R$ 10 milhões, suficientes para resgatar perto de 40% da dívida com a advocacia dativa.

A esse recurso vão se somar aportes mensais oriundos do Fundo Especial de Pagamento dos Advogados Dativos e do Sistema de Acesso à Justiça. A Segov prevê uma média de R$ 12 milhões ao ano. Assim, com 18 meses o passivo será zerado e a lei efetivamente cumprida quando determina que os honorários sejam creditados na conta do dativo em até 60 dias depois de expedida a certidão de trânsito em julgado.

Advogados destacam atuação da Ordem

José Donizete Moreno, que vive exclusivamente da advocacia dativa, começa a ver seu trabalho ser reconhecido e sua dignidade profissional, respeitada. Grande parte desse sentimento é reflexo do esforço da atual gestão da Ordem dos Advogados do Brasil – seção Goiás (OAB-GO) em resolver definitivamente este problema. Surgiu uma esperança de a vida melhorar: “A OAB agora tem se empenhado para resolver nossa situação, tem cobrado”, reconhece. A mesma opinião tem Gilberto Pereira da Silva. Ele pondera que ainda há muita coisa a ser melhorada, mas que “a atual gestão da OAB tem trabalhado a contento, inovando, ampliando serviços e criando comissões importantes”.

O presidente da OAB-GO, Lúcio Flávio de Paiva, concorda com Gilberto. Há muito a se avançar. “Demos um primeiro e importante passo, o pontapé inicial. Agora, vamos continuar na batalha para definir uma tabela que reflita de fato a importância da advocacia dativa”, diz, ao explicar que a OAB, como órgão regulador da atividade, é quem deve determinar, por critérios objetivos, o valor do trabalho do advogado. Ele explica que os honorários atualmente são arbitrados pelos juízes nos processos. Outra reivindicação é a correção monetária. “Esse problema será resolvido em parte com a nova lei que dá poderes ao Executivo de reajustar o valor da UHD a cada dois anos. E com o fundo garantindo os recursos, não haverá mais atraso superior a 62 dias”, explica o presidente da OAB.

A advogada Euterpy Pereira Marquez Gomes, 56 anos, que atua em Acreúna, está na expectativa de começar a receber seus honorários. “Tenho R$ 89.420 a receber. É complicado esse atraso porque a gente trabalha, se dedica, tem gastos e fica na ilusão de que vai receber em dia”, diz. Agora, com sua entidade de classe na trincheira pelo reconhecimento dos dativos, ela espera que a situação melhore substancialmente. “Estou satisfeita com a gestão atual da OAB Goiás. Acredito que vão conseguir consertar esses problemas, porque até então ninguém tinha conseguido”, confia.

No dia 3 de janeiro, a advogada Andréia Bonini recebeu R$ 4.057,29, parte dos honorários devidos em seus muitos processos. “Os meus são de prioridade porque luto contra um câncer no braço e no seio desde 2014”, revela. São trabalhos que remontam ao ano de 2009, com média de 30 UHDs por cada um deles. A longa espera teve um efeito devastador na vida de Andréia. “Uma das questões que me fizeram piorar foi ter que trabalhar sem poder contar com esse dinheiro. Isso gerou um estresse muito grande que acabou agravando minha doença. Não consigo mais trabalhar como antes e estou dependendo exclusivamente desses UHDs”, diz.

OAB usa força política em benefício coletivo

“Desde o início, eu sempre acreditei no diálogo. Sempre acreditei que instituições sérias e respeitadas têm condições de construir soluções para problemas que parecem insolúveis mediante uma conversa. E suportei essa pressão sempre dizendo: eu confio no governo do Estado, que honrará o compromisso com a advocacia. Hoje eu tenho a satisfação de vir aqui diante da advocacia de Goiás dizer que o diálogo sempre é melhor do que a força e o enfrentamento”, discursou o presidente da OAB Goiás, Lúcio Flávio de Paiva, no dia 22 de dezembro de 2016, para uma Sala de Sessões lotada de advogados e na presença do governador do Estado, Marconi Perillo, na solenidade que anunciava o início da retomada dos pagamentos aos advogados dativos após uma moratória de 18 meses.

Lúcio destacou o exemplo de “boa política” que a OAB-GO e o governo apresentavam à sociedade naquele momento. Uma política pautada no respeito e no diálogo, sem rancores partidários. “Estamos num momento em que as pessoas estão levando todas as suas questões para o Poder Judiciário, colocando nas mãos de juízes as decisões que pertencem ao campo da política. Esse evento de hoje é um exemplo. Com o diálogo entre a OAB e o governo do Estado, nós pudemos construir uma solução definitiva para a advocacia dativa em Goiás”, ponderou.

A OAB Goiás carrega consigo um capital político imensurável. A entidade representa quase 50 mil advogados no Estado; destes, cerca de 31 mil ativos e em dia com suas anuidades. Além de defender a classe, a OAB tem a atribuição constitucional de zelar pelo respeito às leis, algo que a distingue das demais representações profissionais. Esse poder todo, no entanto, nem sempre foi investido em benefício do conjunto da categoria. Não raro, serviu a interesses clientelísticos de seus dirigentes, que privilegiavam interesses particulares ou de determinados grupos, indicando sócios e amigos para tribunais, conselhos da sociedade civil e para cargos nos governos, por exemplo, em detrimento dos interesses da coletividade.

Isso explica a dificuldade que o advogado que batalha no balcão do cartório no interior, o real administrador da Justiça, na defesa de quem não pode pagar advogado, o verdadeiro difusor da cidadania, tem para receber seu honorário dativo, muita vez aquém da qualidade e importância desse trabalho. A força da OAB simplesmente foi desviada para outra finalidade. Pois essa situação agora mudou.

“A definição em lei de uma fonte específica de recursos para custear a advocacia dativa é uma vitória monumental da atual gestão da OAB-GO; em especial, do presidente Lúcio Flávio”, destaca o conselheira seccional Ariana Garcia. Para ela, a criação do fundo dativo, somado ao reajuste da UHD, à retomada do pagamento dos atrasados em benefício imediato de cerca de 2,5 mil advogados e à inclusão de Goiânia do sistema de defensoria dativa, abrindo um amplo mercado aos advogados, é a maior conquista da OAB Goiás na sua história. “Ora, força política a OAB sempre teve. Faltava canalizar isso em benefício de quem realmente deve ser representado pela Ordem e alvo de seus esforços”, assevera.

Fundo resolve questão do financiamento

Pelo calendário estabelecido entre a OAB Goiás e a Secretaria de Governo, a partir do primeiro recebimento o advogado dativo entra em uma programação mensal que só se encerra após a quitação total do débito. Para isso, houve uma mudança de conceito fundamental na questão do financiamento da advocacia dativa. Era necessário o estabelecimento de fonte perene de recursos para custear a atividade. A solução partia da criação de um fundo, cuja implantação efetiva demandou muito diálogo e articulação entre o governo estadual e a atual gestão da Ordem, com especial empenho do presidente da seccional goiana, o advogado Lúcio Flávio de Paiva.

A ideia do fundo não era nova. Ainda em 2015, ela ilustrava a ambição de um grupo de advogados que buscava a renovação na OAB-GO. Em 2 de outubro daquele ano, Lúcio Flávio, o líder deste grupo, denominado OAB que Queremos, então candidato à presidência da seção goiana da Ordem, defendia com vigor a criação do fundo via projeto de lei durante audiência pública proposta pelo deputado Jean Carlo (PHS) na Assembleia Legislativa de Goiás.

Eleito presidente da OAB-GO, Lúcio foi à luta logo nos primeiros dias após sua posse, em 1º de janeiro de 2016. Respaldado por uma vitória robusta nas urnas (57%, mais do que a soma de todos os adversários), procurou o governo estadual e parlamentares para ver aprovado o Fundo Especial de Pagamento dos Advogados Dativos e do Sistema de Acesso à Justiça. Após quatro meses de intensas conversas, veio a primeira vitória, com a publicação, em 29 de abril, da Lei 19.264, que regula a prestação no Estado dos serviços de assistência judiciária e de defensoria dativa.

Na prática, essa lei deu poderes ao chefe do Poder Executivo para fixar, a cada dois anos, o valor da UHD, à época congelada em R$ 80 por quase uma década. Ato contínuo, o presidente Lúcio Flávio obteve o compromisso do governador Marconi Perillo de que a UHD seria reajustado em ato discricionário o mais rápido possível. O feito se deu em 20 de maio, quando a unidade referência passou para R$ 165,25.

A lei trouxe outras novidades importantes. Uma delas é que a advocacia dativa, antes restrita a comarcas do interior, pode agora ser exercida também na Capital. Outra é dar poderes à Secretaria de Governo para, em acordo com a OAB-GO, fixar uma tabela de honorários para cada espécie de feito, atualizando o valor do trabalho em conformidade com o mercado e orientando o despacho do juiz, que é quem efetivamente arbitra o valor dos honorários.

Faltava, porém, o principal. Garantir uma fonte de recursos para resgatar o enorme passivo, então avaliado em R$ 26 milhões, e, primordialmente, manter em dia os pagamentos a partir da atualização. Parte da solução veio em 3 de novembro de 2016, com a publicação da Lei 19.474, que instituiu o Fundo Especial de Pagamento dos Advogados Dativos e do Sistema de Acesso à Justiça, aquele que Lúcio Flávio defendia ainda candidato. O fundo é abastecido mensalmente por 2% da arrecadação dos cartórios em Goiás. A verba, carimbada, destina-se exclusivamente a custear honorários dativos.

Depois de mais peregrinação do presidente da OAB pela burocracia das repartições estaduais em busca da regulamentação do fundo, a criação do CNPJ, a abertura da conta e a obtenção do crédito suplementar junto à Secretaria da Fazenda, enfim, em 22 de dezembro, contando com o esforço e empenho do secretário de Governo, Tayrone Di Martino, o Estado e a OAB puderam realizar a solenidade que anunciaria o início da retomada, para não mais parar, do pagamento dos advogados dativos.

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