Acaba se ser publicado no site da Auditoria Cidadã da Dívida os dados de 2017 referentes às despesas orçamentárias. Como a União deixou, há anos, de consolidar em um relatório coerente os dados relativos à execução orçamentária, cabe ao interessado buscar as informações nas diversas fontes oficiais e processá-las.
A Auditoria Cidadã da Dívida tem divulgado, anualmente, o gráfico, em formato de pizza, que retrata os dados do Orçamento Geral da União. São utilizados única e exclusivamente dados oficiais para elaborar o referido gráfico, constantes do SIAFI , elaborado pelo Tesouro Nacional e divulgado pelo Senado Federal.
Em 2017, conforme dados do SIAFI, foram destinados à dívida pública 39,70% do Orçamento Geral da União, ou seja, R$ 986,1 bilhão de reais. Neste valor, estão compreendidos “amortização”, que é pagamento de parte do principal, “e juros”, que são estimados em algo em torno de 10% ao ano. Uma das maiores taxas do mundo.
SIAFI “É o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal que consiste no principal instrumento utilizado para registro, acompanhamento e controle da execução orçamentária, financeira e patrimonial do Governo Federal.”
O gasto com a dívida pública é, em termos proporcionais e absolutos, o maior dispêndio do erário. Depois da dívida, o maior gasto é o de previdência social, que em 2017 ficou em torno de 25,65%. Com uma diferença porém. A previdência tem receita própria. Embora se diga repetitivamente que é deficitária, o déficit seria a diferença entre o que se gasta e o que se arrecada. Esta informação, porém, não é prestada pela ACD.
Depois da Previdência Social, o maior gasto é com “Transferências da União”. Rigorosamente falando, não se trata de gasto, embora seja contabilizado como despesa. Os 8,68% gastos a título de transferência referem-se àquela parte dos tributos arrecadados pela União que pertencem aos estados e aos municípios. Deduzidas estas transferências da arrecadação total, temos a receita líquida. Isso leva a um aumento da percentagem dos gastos com a dívida pública, cálculo que não é feito pela ACD.
Maria Lúcia Fatorelli, presidente da Auditoria Cidadão da Dívida, faz alguns esclarecimentos adicionais, aproveitando ainda para rebater críticas feitas ao seu trabalho.
Caso o valor indicado indicado no SIAFI tivesse sido empregado em “Amortização”, o estoque da dívida teria caído fortemente. Certo? Caso tivesse sido empregado somente no “Refinanciamento” (também chamado de “rolagem”, ou seja, a troca de dívida que está vencendo por outra), o estoque da dívida teria se mantido constante. Certo?
No entanto, o que ocorre com o estoque da dívida interna? O que a ACD vem percebendo é que, de ano para ano, o estoque aumenta. É que, apesar de resgatar títulos vencidos, o Tesouro emite outros. O que se constata, portanto, é que a dívida não foi amortizada e nem simplesmente rolada ou refinanciada, mas, ao contrário, cresceu fortemente nos últimos anos. Isso ocorre porque grande parte dos juros nominais está sendo contabilizada como se fosse amortização.
“Desde a CPI da Dívida Pública, concluída em 2010 , temos denunciado esse procedimento, que constitui uma mega pedalada fiscal e vem sendo adotado desde o Plano Real, quando a atualização monetária automática foi, em tese, abolida”, diz Fatorelli. Como se vê, antes que acusem de petista, como muitos têm feito, ela não tem poupado ninguém. Sobra cacete para todo mundo.
“Esse procedimento é ilegal e tem permitido tratamento privilegiado aos gastos com juros, ao mesmo tempo em que promove o crescimento exponencial do estoque da dívida interna, além de significar uma afronta direta à Constituição Federal especificamente o art. 167, III, conhecido como: regra de ouro”–afirma a presidente da ACD.
Esse procedimento paralelo tem sido possibilitado por meio de cálculo paralelo que corrige todo o estoque da dívida e em seguida deduz essa atualização dos juros e a transforma em amortização
Existe no site da ACD uns gráficos que ilustram os mecanismos pelos quais a dívida está sempre crescendo, embora esteja sempre sendo paga. São cálculos que revelam expedientes marotos que beneficiam os credores em detrimento da União.
À medida em que a parcela da atualização monetária (que integra os juros nominais) é deslocada da categoria de Despesas Correntes e passa a ser computada como Despesas de Capital (amortização), o limite para emissão de nova dívida fica artificialmente ampliado nesse montante.
“Esse procedimento burla o disposto no art. 167, III, da Constituição Federal (regra de ouro), que proíbe a emissão de nova dívida para pagar juros (despesas correntes), e tem provocado o crescimento exponencial do estoque da dívida interna federal”, denuncia Fatorelli.
Ela explica que, considerando que o valor indicado na rubrica “Juros e Encargos da Dívida Pública” do SIAFI corresponde apenas a uma parte dos juros nominais, sendo que a outra parte dos juros está embutida na rubrica “amortização” ou “refinanciamento”, e tendo em vista que não existe a devida transparência em relação a esse cálculo paralelo, não há outra alternativa senão somar-se as rubricas “Juros” e “Amortizações e Refinanciamento”, a fim de indicar o montante destinado a gastos com a dívida pública.
Maria Lúcia Fatorelli alerta que a EC 55 irá agravar ainda mais essa ilegalidade, na medida em que congela todas as despesas primárias por 20 anos, a fim de aumentar ainda mais a destinação de recursos para a chamada dívida pública que nunca foi auditada. A chamada emenda do “teto dos gastos” congela o orçamento por 20 anos apenas no que diz respeito às despesas correntes. As despesas financeiras ficam fora disso.
O CONTO DA PRIVATIZAÇÃO
As privatizações têm sido anunciadas, e defendidas, como uma coisa boa para o Brasil. É preciso reduzir o tamanho do Estado, dizem uns. O Estado é mau gestor, pontificam outros. É preciso privatizar para pagar a dívida, anuncia, por exemplo, o economista Paulo Guedes, ligado ao mercado financeiro e já nomeado ministro da Fazenda em um hipotético governo Bolsonaro.
Para Paulo Guedes, o ideal é privatizar tudo que for privatizável. Por ele, os bancos públicos, a Petrobras, a Eletrobras e tudo mais poderá ser passado no martelo. Ele diz que o que for apurado dessas privatizações serão usados apenas em pagamento de dívida. Nenhum centavo para construir estradas, ferrovias, portos etc. Só para pagamento de dívida.
Numa estimativa um tanto rasa, Guedes acredita que a venda de todos os ativos da União vão render algo em torno de 400 bilhões de reais. Uma merreca, perto do que se paga todo ano a título de juros e amortização da dívida.
O Brasil ficará sem instrumentos para executar uma política de desenvolvimento nacional, e continuará devendo os tubos. E fazendo novas dívidas para pagar juros da dívida.
Paulo Guedes não informou, e nem lhe foi perguntado, se os adquirentes das estatais brasileiras poderão pagá-las com dinheiro tomado do BNDES a juros camaradas e com prazos a perder de vista. Não disse se os adquirentes poderão quitar a dívida com moedas pobres, como aconteceu durante o governo Fernando Henrique Cardoso.
Mas ainda que essas privatizações sejam marcadas pela maior lisura, ainda resta a questão: como será erradicada a dívida remanescente. Uma dívida que está crescendo sempre mais e mais, que se retroalimenta, e que não tem contrapartida.
Auditora aposentada da Receita Federal, Maria Lúcia Fatorelli criou a Auditoria Cidadã da Dívida, onde todos os técnicos que ali trabalham, sob sua direção, nada recebem. A própria Lúcia é voluntária. Ela conhece todos os truques, todas as mumunhas, todos os trambiques relacionados à questão da dívida pública. Para ela, é o maior sistema de corrupção jamais montado em nosso país. É um sistema que transfere fraudulentamente para os grandes bancos a parte substancial da riqueza brasileira. Dinheiro que nem fica no Brasil, já que boa parte da dívida interna está nas mãos de estrangeiros. É uma dívida externa nominada em reais.
Enquanto o País de exaspera diante da “corrupção” dos políticos, que é coisa de trombadinha, o grande assalto às riquezas nacionais acontece debaixo do nariz de todos, sob o nome de dívida pública. Um crime que é diariamente denunciado por Maria Lúcia Fatorelli, cuja voz solitária se perde no deserto.
DÍVIDA INTERNA FEDERAL EM DEZEMBRO DE 2017
5.094.970.665.512,8
5,09 trilhões de reais