A Síria era considerada o paraíso nos tempos bíblicos. A primeira morada do homem, segundo referências bíblicas ficava onde se localiza o Iraque e a parte da Síria, além de trechos submersos pelo Golfo Pérsico.
Segundo o livro de Gênesis, em seu segundo capítulo, quando Deus criou o ser humano nas figuras de Adão e Eva, deu-lhes como habitação uma vasta área repleta de fertilidade, de natureza exuberante, com melhor em recursos vegetais, animais e minerais.
A região foi a primeira morada do homem e, conforme a descrição bíblica, ficava entre os rios Tigre e Eufrates, lugar posteriormente chamado de Mesopotâmia, onde hoje se localiza o país do Iraque. A porção de terra descrita na Bíblia também abrange uma pequena parte do que hoje é a Síria.
As evidências histórico-geográficas apontam que a região, hoje conturbada por conflitos e guerras, rica em petróleo (que também não por acaso é resultante do soterramento de grandes florestas da pré-história), é o berço da humanidade.
Desde a antiguidade, a região compreendia entre a Península da Anatólia, Turquia e a Península do Sinai já era denominada Síria, o domínio deste território foi objetivo constante das antigas civilizações egípcias, que consideravam aquela região como porta de entrada de seu país, e para persas, que viam aquela região como ponte para ampliação de seu império.
A Síria, também chamada Arã por virtude do nome daquele patriarca, cujos descendentes a povoara, compreendia o país que ficava entre o rio Eufrates ao Oriente, e o Mediterrâneo ao Ocidente, com a Cilícia ao norte, e o deserto da Arábia ao sul, excluindo a Palestina.
A Síria faz parte da história bíblica. Ela é uma cidade antiga situada no sapé da Cordilheira do Antilíbano e cortada pelo rio Banada. Provavelmente o patriarca Abraão passou por essa cidade ao se dirigir para o sul, rumo à Canaã. Ele escolheu Eliézer, um homem de Damasco, como servo doméstico.(Gênesis 25:2)
A Síria era em meados de 1000 a.C. um aglomerado de diversos Estados - Gesur, Zobá, Arã e Damasco. Desde a antiguidade, a Síria é foco de implacáveis conflitos e guerras com uma civilização acostumada aos ataques subversivos - internos ou externos e já cansada de resistir a um fatal terreno de instabilidades.
Com predominância religiosa muçulmana e etnia árabe, banhada pelo mar Mediterrâneo, a República Árabe da Síria possui importantíssimo sítios arqueológicos, uma tradição antiquíssima e uma cultura marcada por grandes acontecimentos os quais mudaram o rumo de sua história. Uma complexa e remota história. Datada desde o Velho Testamento e marcada pelos passos tropeçados, que parecem repetir há milhares de anos, a civilização síria é como se estivesse presa a uma sina ancestral e maldita.
No contexto globalizado, a Síria pré-guerra era um país em desenvolvimento e com uma população de 22 milhões de pessoas, além disso, estava relativamente estável quando a guerra estourou. Ela acontece em 2011 e é considerada um dos grandes desastres humanitários dos últimos anos. Foi responsável por cerca de 470 mil mortes segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos e levou mais de 11 milhões de pessoas a sair de suas casas (refugiados). Mostrando ao mundo um êxodo desgovernado e sem direção.
Além de lutarem por suas vidas, esses milhares de refugiados encontraram outra luta, a do preconceito, a do racismo, o da xenofobia por parte de muitos europeus que, se posicionaram contra a ajuda humanitária aos refugiados, eles se esquecem da própria história, de uma Europa contaminada pelo sangue de guerras e conflitos, levando milhares de europeus a buscarem refúgio externo.
O desemprego, combinado com os fatores de risco como a pobreza, a alta concentração de poder do Executivo, a corrupção e restrição de liberdades civis acabaram por compor um panorama de instabilidade. Esse cenário, no entanto, não era exclusivo da Síria: estava presente também em outros países árabes.
Nessa época, fim da primavera década dos anos 2000. Especialistas já previam uma onda de crises políticas que estavam por vir para o mundo árabe, um evento mais tarde se consolidou e ficou conhecido como "Primavera Árabe", mas ninguém antecipou a escala do que aconteceria em solo sírio.
A "Primavera Árabe" foi uma série de manifestações pró-democracia que se alastrou no fim de 2010 e início de 2011 pelo Oriente Médio, Norte da África e que resultaram na queda de governos do Egito e na Líbia. A origem desse movimento é complexa e é resultado de uma mistura de fatores, entre econômicos e políticos.
Os protestos pediam reformas no governo e que houvesse mais democracia, instituição do pluripartidarismo, mais empregos, melhores condições de vida etc. Os primeiros protestos concentraram-se nas cidades de Daraa e na capital Damasco. Como a repressão do governo de Bashar AL-Assad foi violenta, os protestos espalharam-se por todo o país inclusive pela maior cidade da Síria Aleppo.
Essa onda logo chegou à capital síria, Damasco e na cidade de Daraa como demonstração pacífica. Foram, no entanto, duramente reprimidas pelo presidente Bashar AL-Assad, que ascendeu ao poder em 2000 substituindo seu pai (Hafez, que assumiu em 1970) e continua no posto até hoje. Meses depois, o cenário era o de um conflito armado entre governo e forças de oposição.
Aleppo tem sido um cenário trágico de batalhas sangrentas e cruéis, onde os civis foram atingidos e ficaram vulneráveis à barbárie numa onda de violência e num ambiente inóspito. Aleppo tem sido um importante bastião rebelde na guerra e um símbolo de resistência ao regime sírio, ainda acumula montanhas de destroços e detritos deixados para trás por quem fugiu do conflito sírio.
Mas, aos poucos, a vida começa a ressurgir das ruínas, dos escombros. Assim como muitos outros sírios, muitas famílias se abrigaram na costa litorânea da Síria durante o auge do conflito em Aleppo, fábricas de diversos portes costumavam ser o motor econômico de Aleppo, no que era o coração industrial da Síria.
Agora, a zona industrial de Leiramon, com suas carcaças de edifícios abandonados nos extremos da cidade, evidencia a voracidade da guerra civil. A reconstrução vai consumir muito tempo e dinheiro, mas o que realmente é necessário que sanções econômicas sejam suspensas, para que os sírios possam importar e exportar.
Enquanto isso, o esforço de reconstrução é simbolizado pela hashtag # Believe in Aleppo (acredite em Aleppo) escrito em um banner na antiga cidadela.
Dos destroços das cidades arruinadas, como Aleppo surgiram alguns anjos. São os capacetes brancos, os até desconhecidos heróis da guerra na Síria. A organização foi montada por amigos, por causa do desespero, pela agonia que a população sentia ao ver o sofrimento do país mergulhado no mar de terror e sofrimento. Hoje são três mil voluntários que arriscam as próprias vidas para salvar outras.
A guerra civil na Síria deixou de ser uma simples luta por poder e passou também a abranger aspectos de natureza sectária e religiosa, com diversas facções que formam a oposição combatendo tanto o governo quanto umas as outras. Assim o conflito acabou espalhando-se para a região, atingindo também países como o Iraque e o Líbano atiçando, especialmente, a rivalidade entre xiitas e sunitas.
A guerra ganha contornos mais complexos, porque trouxe à tona tensões étnicas e religiosas que sempre estiveram no pano de fundo da formação de um país. Um exemplo? A maioria dos sírios é muçulmana da corrente sunita, enquanto Assad é alauíta.
A guerra na Síria prefigura um mosaico de poderes, é um emaranhado de participantes que lutam entre si. Entre os atores estão milícias locais, que tem concepções diferentes sobre como o futuro do país deve ser (democracia? Teocracia?), forças governistas, grupos terroristas, uma nação inteira sem estado e até potências globais.
Atualmente temos a Síria apoiada principalmente pela Rússia, que deseja ampliar a sua influência no Oriente Médio e relevância no cenário global, e pelo Irã, que pretende impedir que opositores sunitas derrubem Assad e se alinhem com a Arábia Saudita.
Aqui temos a organização libanesa Hezbollah, que confia nos sírios para manter uma espécie de corredor de fornecimento de armas enviadas pelos iranianos para o Líbano, além de milícias xiitas que querem proteger locais que consideram sagrados pelos seguidores dessa vertente do islamismo.
Do outro lado, contra o regime de Assad, temos os insurgentes que são predominantemente sunitas, mas não menos diversos. O maior deles é o Exército Livre da Síria, que advoga pela democracia. No entanto, há grupos baseados na religião, como o Jabhat Fateh-al Sham, que diz ser um ex- braço da rede AL-Qaeda.
A partir de 2014, aproveitando-se da fragilidade da Síria, o antigo braço iraniano da AL-Qaeda, conhecido como Estado Islâmico invadiu a Síria e conquistou parte do território. A atuação do Estado Islâmico levou a fundação de um califado na região. O califado é uma espécie de reino islâmico que impõe sua Sharia (lei islâmica). O Estado Islâmico busca a autonomia total sobre a Síria, portanto, luta contra todos os grupos beligerantes.
Entre as potências estão os Estados Unidos, que tentam negociar uma transição que retire Assad do poder, a Turquia, cujo interesse primordial é evitar que os curdos na Síria fortaleçam um movimento pela sua independência, e países árabes do Golfo, ávidos por evitar a influência iraniana na região. Estão unidos numa coalizão que também luta contra o Estado Islâmico.
A guerra na Síria completa sete anos. Enquanto o mundo observa com atenção aos desdobramentos recentes desse conflito como tentativas de um cessar-fogo entre os principais envolvidos em prol da entrada de ajuda humanitária e a evacuação de feridos, a população segue agonizando em um cenário de violência e incertezas.
Até o momento, não há qualquer sinal de que as hostilidades irão cessar e as perspectivas para a paz seguem nebulosas. Para muitos analistas, Bashar AL-Assad e a Rússia já venceram a Guerra da Síria, mas ainda há muitos combates acontecendo em vários pontos do país, além de um impasse político e militar, já que americanos e aliados não parecem dispostos a se retirar do país.
Além disso, a crise dos refugiados não está nem perto de ser resolvido e outras tensões estão se desenvolvendo, com a participação direta de Israel, Irã e Turquia em partes do país.
Resumindo, ainda que a guerra da Síria possa estar se encaminhando para o fim, não há como saber quando que isso ocorrerá, porque os grandes interesses políticos, econômicos e militares por trás da guerra permanecem sem solução.
(Milena Maria Goulart, escritora)