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Dança

Espetáculo solo fricciona imagens, falas e escritas no CCUFG

Peça conduz público a pautas direcionadas ao significado do fio capilar grudado à cabeça ou - por que não? - fora dela

Olha bem, segure-o com forças suficientes e ele irá cumprir as rotas de fuga. Há quem, no auge da cabeça desprovida de fios capilares, como este escriba, diga que “ah, quando eu ainda tinha cabelo…”. Dá uma sensação de autoridade, expressamos a imagem dos anos que ficaram para trás no retrovisor da memória e, bem, reflete-se sobre nós mesmos. Bom tema para mestrado, até daria um livro ou espetáculo para os palcos, se você pensar bem.

Até que, veja só, espetáculo deu: o CCUFG recebe hoje e amanhã, a partir das 20h, “A Trança Perdida”. Solo de dança, a peça fricciona imagens, falas e escritas numa protagonista que potencializa pautas direcionadas ao significado em torno do cabelo grudado à cabeça e também o que ele representa fora de seu, vamos colocar assim, habitat natural - sem esquecer de suas memórias, percepções e, como não poderia deixar de ser, sensações.

Para estruturar a concepção artística do espetáculo, a dançarina Anna Behatriz Azevêdo desenvolveu pesquisa poética - sustentada por consistente envergadura teórica - na qual escreveu um ensaio que originou, lá pelas tantas, a obra “Reflexões Sobre o Absurdo: o Corpo-Cabelo e Seus Objetos de (in) Definição”. A dissertação de mestrado, defendida na Faculdade de Artes Visuais (FAV), está disponível para consulta no repositório da UFG.

Ou seja, livro deu, não? Assim como deu também pesquisa acadêmica, mas não nessa ordem, se é que alguém importa-se com a tal ordem. Ah, e tudo o que é relatado até aqui ocorreu entre os anos de 2016 e 2018. No solo de dança, essa obra de afeto capilar, os tempos se misturam, cruzando-se uns aos outros, como se fosse uma memória “enfumaçada”, ou lembrança viva pela artista quando era pequena. E que atualizou-se, pois a vida se atualiza.

Anna Behatriz põe em cena também o gesto de manejar os cabelos infantis à procura de lêndeas e piolhos, numa conflagração em que se mistura à já falada memória - nossa diva que ‘encarecou’ psicanalistas - e imaginações - este refúgio humano contra todo tipo de desamor a se pensar. Os corpos possuem força suficiente para estabelecerem relações nas quais eles próprios são capazes de afetarem e serem afetados pela alegria ou pela tristeza.

Potências

“As sensações são um modo destas potências acontecerem e, ao longo da pesquisa, compreendo que os afetos de vitalidade são importantes modos que dinamizam sensações a serem vivenciados na performance/programa e no cotidiano. As perguntas iniciais que auxiliaram o caminho desta pesquisa: ‘por que o cabelo é tão importante para grande parte das pessoas?’”, indaga-se a artista, em sua pesquisa, levantando ponto sepulcral de seu solo.

A ele, então, vamos nós: a artista criança ouve o assunto de uma tal trança, um pedaço do cabelo que estava na cabeça de sua mãe. Foi cortado quando a personagem tinha 12 anos, em 1967, mas o guardaram e também o esqueceram por certo tempo. É evidente o esforço poético que Anna Behatriz faz para encontrar beleza no que ela chama de “estados de copo”, isto é, de nada vale o passado, e sim o que pode-se dele construir a partir de sensações.

“Dançar memórias é um modo de atualizá-las no espaço e tempo e fazê-las serem presentes no contexto do hoje, dando um novo sentido”, diz a artista. Por isso, na obra, verbos como trançar, cortar, guardar, catar, compor, separar, interromper, estourar, vertiginar, eclodir definem ações que permeiam boa parte da alma dramática da obra ora dissertada. “Desejo que o público possa perceber, que o que vivemos na dimensão do singelo da ordem do dia, do cotidiano, possa ter força a ponto de pensarmos nas nossas próprias existências”, diz.

E tem ainda mais fala de Anna. “Como elas podem ser afetadas por memórias e pelo tempo presente”, encerra. Anna Behatriz Azevêdo consegue, ao levar obra para os palcos, apresentar tema necessário à vida e, de quebra, à auto-estima das pessoas. Se “Reflexões sobre o Absurdo: Corpo-Cabelo e Seus Objetos de (in) Definição” saiu pela Editora Ape´ku do Rio de Janeiro, agora é a vez de parar no CCUFG, onde ficará em cartaz por dois dias.

Anote aí

‘A Trança Perdida’

Hoje e amanhã

20h

CCUFG

Av. Universitária, 1.533, Setor Universitário, Goiânia (GO)

Entrada franca

Veja também: A oficina “Entre Fios e Memórias” ocorre no dia 10, das 9h até às 12h, na sala de dança do Centro Cultural da UFG. São 30 vagas e os interessados podem se inscrever por meio do perfil @annabehatriz.artista, no Instagram. O objetivo da oficina é desenvolver estados de corpo através de qualidades de movimento. Segundo Anna Behatriz, a atividade é voltada para pessoas que por práticas de corpo, práticas de corpo, estudantes, artistas, professores e curiosos. A atividade é gratuita e é para maiores de 18 anos.

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